30/07/07

Conversa Castreja V

O Tio Francisco (TF) e o Vizinho (VZ) vão finalizar a sua conversa, mas não sem antes discorrerem sobre a valentia dos “homes” doutros tempos…

«(VZ): - É d’antes diç ca habia homes mui balentes. Diç que um tal tio Tato do Rodeiro que agarrou um lobo pela garganta, è que o afogou, è que lhe pegou nua perna ó cabalo grande do Tomás das Quingostas (o ladróm mais balente d’estas alturas!), è que o segurou, è que o cabalo a querê’lo coucear, è ele agarrado á perna, è que tirou c’o cabalo ó chão, mais despois o Tomás que o mataba c’um tiro, se nom fugisse.

(TF): - Esse tio Tato eu já nom conheci, mais diç q’andou com meu abô pelos fiandeiros, é dua beç que s’abriu ua sepultura na igreija é que lá aparecêrum os ossos d’ele, q’erã mui grossos, mui grossos, è que todos deziã q’erã os dele. Eu nom sei. Quem fezo a casa do Nelo Cotarelo de Queimadelo foi ele, è diç que foi ele só, é ele só é que botou aqueles côtos todos arriba; diç que nom queria que ninguém o ajudasse. É olha q’ela tem lá bôs côtos…

(VZ): - Pois huje nom hai d’esses homes; só hai p’raí uns froucinhos que nom balem nadinha. Só som bôs p’ra tapar um buraco co’eles!

(TF): - É ós pois, que bá um home dezer-lhe que nom balêm nada, ca lh’esmoqueteã a cara, ou pelo menos tira-lhe um berro como um burro…

(VZ): - Tio Francisco, bou-me comer o cardo, cá j’hã-de ser horas, è a minha Maria nom m’as garda, ca cando tal, tamém s’enrista p’ra mim como um demonho! Intóm digo-lhe adeus até de manhã, se Deus quijer. Olhe q’as noites estão frias. Intóm o milhor é meter-se um home na cama.

(TF): - Pois intóm, até demanhã, se Deus quijer. È cando te parecer, bem perqui, cà eu tenho-che múito que dezer, cá tamém já che tenho uns anos, è eles nom passã sem s’aprênder algo.»

OBSERVAÇÕES AO TEXTO:

- No texto, são referidas três personagens: - O Tio Tato do Rodeiro, o Tomás das Quingostas, e o Nelo Cotarelo de Queimadelo. São quase de certeza personagens fictícias inventadas pelo autor para contextualizar o assunto da conversa. Desconheço as nomeadas “Tato” (embora esta me diga qualquer coisa!) e “Cotarelo”, se alguém tiver alguma indicação objectiva sobre a sua existência actual ou passada agradeço que informem de forma a actualizarmos este “post”. Quanto às Quingostas, julgo tratar-se de uma localização geográfica em Castro (um sítio), porque de facto penso já ter ouvido uma qualquer referência a este nome. Mais uma vez, se alguém tiver dados mais concretos agradeço que me informem.

- “diç q’andou com meu abô pelos fiandeiros”: Um fiandeiro é trabalhador na fiação de fibras. Este aparte do Tio Francisco pode querer significar que, naqueles tempos (estamos a falar do Séc. XIX) terá existido em Castro algum actividade económica na área da fiação, ou então mais certamente, terá havido migração de Castrejos para trabalharem nas indústrias têxteis noutras zonas do país. Contudo, estas decorrências das palavras do Tio Francisco são meras especulações da minha parte, pois não possuo mais nenhum dado que substancie uma ou outra destas hipóteses.

- “é dua beç que s’abriu ua sepultura na igreija é que lá aparecêrum os ossos d’ele”: Foi a partir de um Decreto datado de 18 de Setembro de 1844 do Governo de Costa Cabral (Reinado de Dona Maria II), que passou a ser expressamente proibido os enterramentos de mortos nos locais de culto. Medida esta extremamente impopular e que esteve na génese da revolta popular designada como “Revolução da Maria da Fonte” ou “Revolução do Minho” na primavera de 1846 e que após se ter progressivamente alastrado a todo o Norte do país, teve como consequência indirecta uma Guerra Civil que durou 8 meses e que ficou conhecida como “A Patuleia”.

- “froucinhos”: frouxinhos, diminuitivo de frouxos.

- “ca lh’esmoqueteã a cara”: “Esmoquetear”, dar “moquetes”, esmurrar.

- “tamém s’enrista”: Também se encrista, ou seja fica zangada e tal como os galos levanta crista (figurativamente, claro!).

Assim termina este interessantíssimo texto que, malgrado as imperfeições e incoerências, é um documento precioso pois, para além de ser um repositório de expressões fonéticas antiquíssimas, trata-se, provavelmente, do primeiro texto em que se ensaia um modelo de transposição gráfica da “fala” Crasteja (veja-se as considerações e a contextualização deste documento expendidas no “post” Conversa Castreja I).

2 comentários:

Eira-Velha disse...

Uma excelente recolha que permite dar a conhecer aos vindouros um pouco do que foi a vida dos antepassados. Pena que não haja documentoação sobre o célebre Tomás das "Quingostas" ou "Tchingostas", como se dizia em Cavenca. Também eu ouvi mujitos episódios dessa figura lendária, uma espécie de Zé do Telhado ou Robin dos Bosques à portuguesa. Mesmo sem documentação que o comprove estou convencido que essa personagem existiu, embora possa ter sido um pouco "adornada" pela fantasia inerente à transmissão oral muito do agrado do nosso povo e quase único veículo de informação que existia ainda não há assim tantos anos...
Queremos mais testemunhos destes...
FORÇA NA BERGA!!!

fugitivo disse...

quem é o Nelo Cotarelo de Queimadelo??