26/07/07

Conversa Castreja IV

Depois do Tio Francisco ter perorado sobre o progresso, a religião e o temperamento feroz do Senhor Reitor (ver Conversa Castreja III) a conversa irá agora derivar para as farturas e as misérias doutros tempos:

«(VZ): - Olhe, tio Francisco: é d’antes diç qu’habia muito dinheiro, é qu’a gente andaba sempre com fartura. É huje qu’hai?

(TF): - Nom que d’antes aqui nesta freiguesia só ch’habia as botas do Senhor Reitor, uas botas que lhe chegabã ó giolho, e só as lebaba p’rá igreija cando dezia a minsa, è demais nom ch’habia outras em toda a freiguesia; è um ano o Nelo dos Coutos, que já nom binha de Castilha hai quatro anos, trougo uas botas comàs do Senhor Reitor, è nom ch’as podo rumper, cà era o espelho dos outros todos; cando se saía da minsa, todos reganhabã o dente, d’ele se querer cumparar ó Senhor Reitor. É huje, huje nom hai cã nim gato que nom tenha uas botas è um chapéu è um relógio. E às mulheres fazia uns abarqueiros que lhe duraba dous anos, è huje já che trajêm çapatos è çoques com brochas marelas, è òs abarqueiros jòs nom querem, jós nom hai, è já hai panos de seda, è d’antes só habia capelas p’rá cabeça, è nom se bia um pano, nim de seda, nim dos outros nessa igreija. É aí che stá a razóm porque che nom hai dinheiro, porque o gastã nessas chincharias.»

Observações ao texto:

- «Nelo dos Coutos»: A menos que “DOS COUTOS” se trate da nomeada de uma família ou a de uma designação geográfica entretanto desaparecidas, deve tratar-se de um erro do autor a nível da transcrição gráfica da expressão fonética, na medida em que, em vez de “DOS COUTOS” provavelmente quereria dizer “DOS COTOS”, porque, esta sim, é uma designação que ainda hoje existe. Com efeito, ainda hoje se designa aquela zona do Lugar da Vila onde se situam a “Casa Castreja” e o Núcleo Museológico de Castro Laboreiro, como sendo “OS COTOS”.

- «cà era o espelho dos outros todos»: Desconheço tal expressão, provavelmente é daquelas que caiu em desuso com o passar do tempo. Pelo contexto retira-se que quererá significar que todos lhe olhavam para as botas com inveja!

- «»: - Cão.

- «abarqueiros»: - Trata-se, sem dúvida de um tipo de calçado rude, talvez uns “çoques” menos sofisticados do que aqueles que o Tio Francisco refere, ou seja “(…) com brochas marelas (…)”.

- «jós»: Já os.

- «capelas p’rá cabeça»: Refere-se, sem dúvida, às tradicionais capas de pano negro (burel), ainda hoje utilizadas em Castro.

- «chincharias»: Quinquilharias.

A conversa continua e finaliza no próximo capítulo, onde se falará dos “homes” valentes doutros tempos.

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