29/10/07

As perdizes


Já há muito tempo que não caço nos belos montes da nossa terra. Primeiro os meus velhos camaradas de caça foram falecendo ou "reformando-se" e eu fiquei assim como... sózinho, e acabei por não me integrar em mais nenhum grupo de caçadores castrejos. Depois, a distância também influiu! Sim porque isto de fazer cerca de duas centenas de quilómetros para ir caçar a Castro, afecta não só a carteira mas também a disposição!

Contudo, nestes belos dias de Outono, continuo a sentir o "vicio" e a nostalgia da caça e a lembrar-me de tantos e tão bons momentos passados na senda das perdizes em Porquéguas, no Talefe ou em Barreiras Brancas, na companhia dos meus velhos companheiros e mestres não só na arte da caça mas sobretudo na arte da vida.

Por eles e para os meus caros conterrâneos que, por esta época do ano, continuam sadiamente a galgar e a usufruir dos nossos maravilhosos montes, praticando a nobre arte, fica aqui um grande e forte abraço, com votos de boa sorte, de outro caçador, não praticante é certo, mas para sempre caçador. E convém não esquecer que tal como disse Miguel Delibes, um famoso caçador e escritor castelhano: "Aquilo que um caçador é capaz de fazer por uma perdiz, só outro caçador o consegue entender"


12/10/07

Quando tomavit dominus rex Castellum de Laborario

Afonso Henriques

Estávamos em finais da década de 30, inícios da de 40, do século XII e os vales do Minho e do Lima estavam a ferro e fogo. Afonso Henriques, galvanizado pela vitória conseguida sobre os Sarracenos na batalha de Ourique (25 de Julho de 1137), vira a sua atenção para a fronteira norte do Condado/Reino e invade as terras de Toronho (terras da margem direita do rio Minho cujo o centro de referência era a cidade de Tuy), violando, assim, de modo flagrante, o Pacto celebrado em 4 de Junho de 1137, nesta mesma cidade, no qual tinha ficado estabelecido que tais terras eram propriedade do, auto-proclamado Imperador de toda a Espanha, Afonso VII de Leão.


Afonso VII de Leão

Saliente-se que, antes deste Pacto, tais terras, pertencentes à Condessa Teresa de Leão, passaram a pertencer, por sucessão, ao seu filho Afonso Henriques que, por isso e ainda pela adesão voluntária de parte da nobreza galega e também pela força das armas, se tinha tornado o senhor absoluto de todo o sul da Galiza, nomeadamente das províncias de Toronho e Límia (região do vale do Lima, sensivelmente situada, entre Ponte de Lima e Ourense), suserano dos condes galegos Gomes Nunes e Rodrigo Peres; vencedor da batalha de Cerneja e senhor da cidade de Tui.

Furioso com o primo irrequieto, o Imperador ordena a invasão do Minho e consequentemente, o Castelo de Laboreiro (de capital importância estratégica por se situar entre os vales dos dois rios, dominando os, então, chamados Montes de Laboreiro) é tomado pelos Leoneses capitaneadas provavelmente pelo Conde Galego Fernando Anes (Enes), Alcaide de Allariz.


Afonso Henriques, com aquela inquebrantável energia e visão estratégica que o haveriam de tornar num dos mais temidos senhores da guerra Europeus do Séc XII, não se fica! E, provavelmente, em 1140, cercou e retomou o Castelo de Laboreiro devolvendo-o ao domínio do, então e apenas auto-proclamado, Reino de Portugal.




Na altura o Castelo deveria ser uma velha fortaleza roqueira assente sobre as ruínas de uma povoação fundada, algures, na idade do ferro. Fortaleza esta que terá sido, eventualmente, restaurada entre o Sec. IX e o Séc. X, quando esteve sob o domínio da família Mendo, Mendes ou Menendez, a quem as terras dos Montes Laboreiro, juntamente com a região de Bubal e maior parte da região da Límia, foram doadas por Afonso III, o Magno, Rei das Astúrias, de Leão e da Galiza (866-910) e entre outras coisas, conquistador das cidades do Porto e de Coimbra.

Com efeito tais terras foram doadas ao Conde do Porto e Tuy, Hermenegildo Mendo, como prémio pela vitória alcançada contra o Conde Galego Witiza, ou Guicia, que revoltando-se contra Afonso III, delas se tinha apoderado. Convém ter presente que a lenda atribui ao neto do Conde Hermenegildo Mendo, o famoso São Rosendo (personagem incontornável da Gallecia do Sec. X), a fundação ou a refundação do Castelo de Laboreiro, isto muito embora não existam fontes documentais conhecidas que atestem, inequivocamente, esta possibilidade.

Para levar a bom porto o cerco do Castelo de Laboreiro, Afonso Henriques, careceu do apoio da nobreza e do clero da região. E tal apoio foi-lhe dado! Designadamente, a abadessa do mosteiro de São Salvador de Paderne, Elvira Serrazins ou Serracine, contribuiu com dez éguas e respectivas crias; 30 moios de vinho (para animar a soldadesca sedenta, digo eu!); um magnífico cavalo avaliado em 500 soldos e ainda cem áureos.

Agradecido, Afonso Henriques, em 16 de Abril de 1141, concede uma carta de couto ao mosteiro de São Salvador de Paderne. Esta carta, que conta já com a bonita idade de 866 anos, e é a mais antiga referência documental conhecida sobre Castro Laboreiro, ou pelo menos sobre o seu castelo, reza assim, na parte que nos importa:

«(…) isttum fretium et servitium fuit datum quando tomavit dominus rex Castellum de Laborario».

Ou seja:

«Este valor e este serviço foram prestados quando o Senhor Rei tomou o Castelo de Laboreiro».

E assim, como diz o ilustre e criterioso historiador Castrejo, Padre Manuel António Bernardo Pintor (Ribeiro de Cima, 1911 – Monção, 1996): «Este castelo em ruínas tem a subida honra de ter experimentado a bravura indómita do primeiro rei de Portugal que nos deixou o primeiro testemunho histórico da sua existência.»

Bibliografia:

ALMEIDA, Carlos A. Brochado de – “A Couraça nova da Vila de Melgaço; Resultado de uma intervenção arqueológica na Praça da República”; Portvgália, nova série, 2003

AMARAL, Diogo Freitas do – “D. Afonso Henriques – Biografia”. Bertrand Editora; 3.ª Edição-2000.

DOMINGUES, José – “O Foral de D. Afonso Henriques a Castro Laboreiro, “adito” para o debate”; Núcleo de Estudos e pesquisa dos Montes Laboreiro, 2003.

DOMINGUES, José – “O Direito de padroado da igreja de Castro Laboreiro na Idade Média”, Boletim Cultural de Melgaço, Câmara Municipal de Melgaço, 2002.

PINTOR; Manuel António Bernardo – “Castro Laboreiro e os seus Forais”, separata de Bracara Augusta, vol. XVIII-XIX, n,º 41-42, Braga, 1965.

PINTOR; Manuel António Bernardo –“ O Recontro de Val-de-Vez. Onde foi?, Braga, 1977.

RODRIGUES, Teresa de Jesus –“D. Afonso Henriques e o Alto Minho”, Revista de Guimarães, n.º 106, 1996.

TEJEDO, Manuel Carriedo – “XI Centenário de San Rosendo (907-2007); Patrono de Mondoñedo-Ferrol e Símbolo de Galicia”; Nuevas, 2007.

04/10/07

No "renque"

Se consultarmos um dicionário ficamos a saber que “Renque” deriva, etimologicamente, do Provençal (Occitano) “Renc” e/ou do Germânico “Hring” e significa uma fileira, uma fila ou uma série de pessoas ou coisas alinhadas. Trata-se de uma palavra em franco desuso no português norma actual, ignaramente substituída pelo anglicismo “Rank” ou “Ranking”.

Apesar destes modernismos bacocos, há um poema famoso de Alberto Caeiro (pseudónimo de Fernando Pessoa) que imortaliza a palavra "Renque". Chama-se “Um Renque de Árvores” e reza assim:

Um renque de árvores lá longe, lá para a encosta.
Mas o que é um renque de árvores? Há árvores apenas.
Renque e o plural árvores não são cousas, são nomes.

Tristes das almas humanas, que põem tudo em ordem,
Que traçam linhas de cousa a cousa,
Que põem letreiros com nomes nas árvores absolutamente reais,
E desenham paralelos de latitude e longitude
Sobre a própria terra inocente e mais verde e florida do que isso!


Em Castro Laboreiro, o “Renque” é um sítio informal, onde costumeiramente os Castrejos se encontram (se alinham!) nos seus momentos de ócio ou a caminho dos seus afazeres quotidianos e, prazenteiramente, se demoram a pôr as novidades em dia, falando do tempo, da agricultura ou de qualquer outra novidade mundana que os traga intrigados. Embora com conotações bem mais modestas, é algo assim como o “Largo” dos alentejanos tão bem descrito e caracterizado por Manuel da Fonseca na sua obra intitulada o “Fogo e as Cinzas”.

Eis aqui esta preciosa fotografia onde se vê Castrejos autênticos num Renque autêntico:



Autor: Phoenix Ocean
Fonte: Flickr

01/10/07