20/07/07

Conversa Castreja III

Há dias atrás deixamos o Tio Francisco (TF) e o Vizinho (VZ) a conversar sobre as inclemências do clima e os seus efeitos nefastos na agricultura e pecuária, agora vamos assistir a um monólogo em que o velho Tio Francisco irá dissertar sobre o progresso, a religião e o temperamento feroz do Senhor Reitor. Ora, “entôm”, aqui vai…

«(TF): - Intom bamos-che passando estes dous dias que temos neste mundo, c’ò pior é-che no outro, c’àqui sabemos os cardos que comemos, é no outro nom ch’o sabemos.
Olha qu’um tio de meu abô, que ch’era crego, é era cura do Senhor Reitor, diç que dizia muitas bezes, sentado ali naquele canto, qu’era o sitio d’ele, qu’inda habia de bir o tempo qu’òs homes habiã de boar e òs ferros qu’habiã de falar; è olha, ele indo nom biu, mas nós já bemos. O camboio diç que passa aí pela beira do Rio Minho, arriba e abaixo, que corre que desaparece; é aí em Melgaço diç que se manda ua parte, indas que seja p’ra Lisboa, por um ferrinho è por um arame que bai d’aqui até lá.
Intom nom sei que che diga, nom sei p’r’ónde caminhamos, assi com tanta finuria. Estas cousas, já se sabe, tamém o Demonho há-de ter nelas a sua parte è quinhóm, cà cabeça dos homes só nom fazia todo.


É assi bai andando o mundo! O que ch’êu digo é que agora nom hai a religiom d’outro tempo. Ora, que soubesse o Senhor Reitor belho que alguém nom ia á minsa algum dia de domingo, chamabò lá, dezia-lh’as todas!
Parece que sabia todo, parece c’adebinhaba. É se lhe puxassem pela idêa, Deus nos libre! c’escastanhaba um lá dentro d’aquela casa, é batia àquelas botas, que lhe chegabã ó joelho, naquele sobrado, que parece c’alagaba aquela casa. E fosses tu lá com rètólicas, cá che puxaba as orelhas!
Mais, meu amigo, naquele tempo habia-che grã é patacos é herba é gando é res; é todo andaba gordo é bonito: é huje é miseria a mais miseria! Eu sempre oubi dezer que com Deus é co’o lume nom ch’hai chanças.»


Observações ao texto:

- CARDOS: Caldos (sopas).

- CREGO: Clérigo – Como sabem existe uma família em Castro com esta nomeada “os Cregos”.

- É curiosa a forma como o autor do texto, expressa o assombro do Tio Francisco pela novidade que é o telefone e que, pelos vistos, já existia em Melgaço (convém não esquecer que este texto foi escrito por volta de 1904 – veja-se o “post” Conversa Castreja I): «(…) diç que se manda ua parte, indas que seja p’ra Lisboa, por um ferrinho è por um arame que bai d’aqui até lá».«(…) ua parte (…)» significa um recado ou uma mensagem.

- «c’escastanhaba um lá dentro d’aquela casa» - Escastanhaba é uma expressão insólita que eu nunca ouvi. A origem deve estar na operação de tirar as castanhas de dentro dos ouriços abrindo-os ao meio. Assim o Senhor Reitor, escastanhaba aqueles que lhe «(…) puxassem pela idêa (…)», ou seja aqueles que o aborrecessem ou contradissessem.

- «(…) parece c’alagaba aquela casa (…)» Segundo LEITE DE VASCONCELLOS nas anotações que faz ao texto “alagaba” quer dizer esborralhava, ou seja fazia cair a casa, trata-se por isso, em termos estilísticos, de uma hipérbole.

- GRÃ: Grão. De centeio, como é óbvio!

Para finalizar, há no texto, duas expressões das quais eu gosto muito, porque são deliciosamente Castrejas! Parece que estou a ouvir a minha avó ou o meu avô a dize-las! São elas:

- «E fosses tu lá com rètólicas, cá che puxaba as orelhas!» e «(…) com Deus é co’o lume nom ch’hai chanças».

Esta agradável e instrutiva Conversa Castreja continuará nos próximos capítulos…

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