31/07/07

“Força na Berga”

Criei este Blog no dia 27/06/2007, poucos dias antes de iniciar o meu (merecido!) período de férias. Desde então e até hoje tenho tentado enriquece-lo com informação, original ou pouco conhecida, quase diariamente (salvo aos fins de semana, pois também preciso de sossegar a cabeça!). O resultado não me desgosta de todo, mas tenho a consciência que poderei ainda fazer muito melhor!

Bom, sucede que amanhã regresso ao activo e, como sempre, vou ter toneladas de trabalho para pôr em dia, motivo pelo qual e com muita pena minha, durante alguns dias não terei tempo para trabalhar no Blog, sendo que, por isso mesmo, a publicação de “posts” irá ser agora muito mais espaçada. Espero que esta circunstância não faça perder o interesse das pessoas que me têm visitado, sobretudo daquelas que passam por aqui todos os dias, pois eu sei que as há!

Resta-me pois, agradecer-vos o vosso interesse e pedir-vos um pouco de paciência, pois logo que possa voltarei, com mais assiduidade, a investigar e a escrever sobre a nossa querida terra.

Aos que regressam ao trabalho como eu, desejo coragem e, como se diz na nossa terra, “Força na Berga”! Aos que vão ou estão de férias desejo que descansem o físico e o espírito e se divirtam. Para além disso, tenham muito cuidadinho nas estradas (sobretudo os nossos irmãos emigrantes Castrejos que regressam de carro!) e não se esqueçam de ir a Castro… pelo menos no 15 de Agosto (se calhar vemo-nos por lá é botamos-lhe un cacharrinho ou dous, ond’ó “Mugas” ou, entôn, ond’ó “Labaduras”!).

Um forte abraço Crastejo para todos (daqueles de escanar as costelas).

30/07/07

Conversa Castreja V

O Tio Francisco (TF) e o Vizinho (VZ) vão finalizar a sua conversa, mas não sem antes discorrerem sobre a valentia dos “homes” doutros tempos…

«(VZ): - É d’antes diç ca habia homes mui balentes. Diç que um tal tio Tato do Rodeiro que agarrou um lobo pela garganta, è que o afogou, è que lhe pegou nua perna ó cabalo grande do Tomás das Quingostas (o ladróm mais balente d’estas alturas!), è que o segurou, è que o cabalo a querê’lo coucear, è ele agarrado á perna, è que tirou c’o cabalo ó chão, mais despois o Tomás que o mataba c’um tiro, se nom fugisse.

(TF): - Esse tio Tato eu já nom conheci, mais diç q’andou com meu abô pelos fiandeiros, é dua beç que s’abriu ua sepultura na igreija é que lá aparecêrum os ossos d’ele, q’erã mui grossos, mui grossos, è que todos deziã q’erã os dele. Eu nom sei. Quem fezo a casa do Nelo Cotarelo de Queimadelo foi ele, è diç que foi ele só, é ele só é que botou aqueles côtos todos arriba; diç que nom queria que ninguém o ajudasse. É olha q’ela tem lá bôs côtos…

(VZ): - Pois huje nom hai d’esses homes; só hai p’raí uns froucinhos que nom balem nadinha. Só som bôs p’ra tapar um buraco co’eles!

(TF): - É ós pois, que bá um home dezer-lhe que nom balêm nada, ca lh’esmoqueteã a cara, ou pelo menos tira-lhe um berro como um burro…

(VZ): - Tio Francisco, bou-me comer o cardo, cá j’hã-de ser horas, è a minha Maria nom m’as garda, ca cando tal, tamém s’enrista p’ra mim como um demonho! Intóm digo-lhe adeus até de manhã, se Deus quijer. Olhe q’as noites estão frias. Intóm o milhor é meter-se um home na cama.

(TF): - Pois intóm, até demanhã, se Deus quijer. È cando te parecer, bem perqui, cà eu tenho-che múito que dezer, cá tamém já che tenho uns anos, è eles nom passã sem s’aprênder algo.»

OBSERVAÇÕES AO TEXTO:

- No texto, são referidas três personagens: - O Tio Tato do Rodeiro, o Tomás das Quingostas, e o Nelo Cotarelo de Queimadelo. São quase de certeza personagens fictícias inventadas pelo autor para contextualizar o assunto da conversa. Desconheço as nomeadas “Tato” (embora esta me diga qualquer coisa!) e “Cotarelo”, se alguém tiver alguma indicação objectiva sobre a sua existência actual ou passada agradeço que informem de forma a actualizarmos este “post”. Quanto às Quingostas, julgo tratar-se de uma localização geográfica em Castro (um sítio), porque de facto penso já ter ouvido uma qualquer referência a este nome. Mais uma vez, se alguém tiver dados mais concretos agradeço que me informem.

- “diç q’andou com meu abô pelos fiandeiros”: Um fiandeiro é trabalhador na fiação de fibras. Este aparte do Tio Francisco pode querer significar que, naqueles tempos (estamos a falar do Séc. XIX) terá existido em Castro algum actividade económica na área da fiação, ou então mais certamente, terá havido migração de Castrejos para trabalharem nas indústrias têxteis noutras zonas do país. Contudo, estas decorrências das palavras do Tio Francisco são meras especulações da minha parte, pois não possuo mais nenhum dado que substancie uma ou outra destas hipóteses.

- “é dua beç que s’abriu ua sepultura na igreija é que lá aparecêrum os ossos d’ele”: Foi a partir de um Decreto datado de 18 de Setembro de 1844 do Governo de Costa Cabral (Reinado de Dona Maria II), que passou a ser expressamente proibido os enterramentos de mortos nos locais de culto. Medida esta extremamente impopular e que esteve na génese da revolta popular designada como “Revolução da Maria da Fonte” ou “Revolução do Minho” na primavera de 1846 e que após se ter progressivamente alastrado a todo o Norte do país, teve como consequência indirecta uma Guerra Civil que durou 8 meses e que ficou conhecida como “A Patuleia”.

- “froucinhos”: frouxinhos, diminuitivo de frouxos.

- “ca lh’esmoqueteã a cara”: “Esmoquetear”, dar “moquetes”, esmurrar.

- “tamém s’enrista”: Também se encrista, ou seja fica zangada e tal como os galos levanta crista (figurativamente, claro!).

Assim termina este interessantíssimo texto que, malgrado as imperfeições e incoerências, é um documento precioso pois, para além de ser um repositório de expressões fonéticas antiquíssimas, trata-se, provavelmente, do primeiro texto em que se ensaia um modelo de transposição gráfica da “fala” Crasteja (veja-se as considerações e a contextualização deste documento expendidas no “post” Conversa Castreja I).

27/07/07

Notas sobre a toponímia de Castro Laboreiro III - AMEIXOEIRA


AMEIXOEIRA [41°59'9.58"N; 8° 9'28.20"O; Alt: 780m]:

Ameixoeira é uma palavra sinónima de Ameixieira ou Ameixeira, ou seja, a árvore da família das rosáceas, cujo fruto é a ameixa.Ameijoeira, como é uso escrever-se no português-norma, se trata de um equipamento ou instrumento utilizado para pescar amêijoas.

Perante isto e não se vislumbrando outra explicação, julgo que o topónimo, terá a sua origem no facto de existirem Ameixoeiras no lugar em questão, já que amêijoas não é de todo possível (nem sequer fossilizadas como pelo vistos acontece ou aconteceu na freguesia da Ameixoeira no concelho de Lisboa. Também, por certo a origem do topónimo não pode estar em “Meixões”, ou seja os alevins das enguias também designados “Angulas”, porque embora este peixes entrem nas águas doces, é fisicamente impossível que alguma vez tenham chegado ao tramo do Rio Laboreiro situado na zona da Ameixoeira.

A ser acertada a tese de que o nome do lugar tem a sua origem na “árvore da família das rosáceas, cujo fruto é a ameixa”, a forma correcta de escrever o topónimo é Ameixoeira e não Ameijoeira, tratando-se esta última forma, como já disse, de uma adulteração (que aliás produz, como vimos, um resultado ridículo!) provocada pela norma linguística imposta, subrepticiamente, pelo Estado português no seu secular afã de uniformizar e desgaleguizar a “fala” das terras raianas, utilizando para isso mecanismo vários, como neste caso, através da substituição gráfica do “X” pelo “J”, ou noutros, substituindo o “B” pelo “V”.

A Ameixoeira, é uma Inverneira da margem esquerda do Rio Laboreiro, sendo que os seus habitantes mudam sazonalmente para as Brandas de Curral do Gonçalo, Campelo e Eiras, todas, igualmente, da margem esquerda do Laboreiro.

Na Ameixoeira existe uma capela dedicada a Nossa Senhora da Boa Morte, cuja festa é celebrada no dia 19 de Setembro de cada ano.

Para além disso, na Ameixoeira situa-se uma das três passagens viárias da fronteira existentes no Concelho de Melgaço (as outras são em São Gregório e na ponte Melgaço-Arbo). O Município Espanhol (Galego) vizinho da Ameixoeira, designa-se “Terrachán” com sede em “Entrimo”.


26/07/07

Conversa Castreja IV

Depois do Tio Francisco ter perorado sobre o progresso, a religião e o temperamento feroz do Senhor Reitor (ver Conversa Castreja III) a conversa irá agora derivar para as farturas e as misérias doutros tempos:

«(VZ): - Olhe, tio Francisco: é d’antes diç qu’habia muito dinheiro, é qu’a gente andaba sempre com fartura. É huje qu’hai?

(TF): - Nom que d’antes aqui nesta freiguesia só ch’habia as botas do Senhor Reitor, uas botas que lhe chegabã ó giolho, e só as lebaba p’rá igreija cando dezia a minsa, è demais nom ch’habia outras em toda a freiguesia; è um ano o Nelo dos Coutos, que já nom binha de Castilha hai quatro anos, trougo uas botas comàs do Senhor Reitor, è nom ch’as podo rumper, cà era o espelho dos outros todos; cando se saía da minsa, todos reganhabã o dente, d’ele se querer cumparar ó Senhor Reitor. É huje, huje nom hai cã nim gato que nom tenha uas botas è um chapéu è um relógio. E às mulheres fazia uns abarqueiros que lhe duraba dous anos, è huje já che trajêm çapatos è çoques com brochas marelas, è òs abarqueiros jòs nom querem, jós nom hai, è já hai panos de seda, è d’antes só habia capelas p’rá cabeça, è nom se bia um pano, nim de seda, nim dos outros nessa igreija. É aí che stá a razóm porque che nom hai dinheiro, porque o gastã nessas chincharias.»

Observações ao texto:

- «Nelo dos Coutos»: A menos que “DOS COUTOS” se trate da nomeada de uma família ou a de uma designação geográfica entretanto desaparecidas, deve tratar-se de um erro do autor a nível da transcrição gráfica da expressão fonética, na medida em que, em vez de “DOS COUTOS” provavelmente quereria dizer “DOS COTOS”, porque, esta sim, é uma designação que ainda hoje existe. Com efeito, ainda hoje se designa aquela zona do Lugar da Vila onde se situam a “Casa Castreja” e o Núcleo Museológico de Castro Laboreiro, como sendo “OS COTOS”.

- «cà era o espelho dos outros todos»: Desconheço tal expressão, provavelmente é daquelas que caiu em desuso com o passar do tempo. Pelo contexto retira-se que quererá significar que todos lhe olhavam para as botas com inveja!

- «»: - Cão.

- «abarqueiros»: - Trata-se, sem dúvida de um tipo de calçado rude, talvez uns “çoques” menos sofisticados do que aqueles que o Tio Francisco refere, ou seja “(…) com brochas marelas (…)”.

- «jós»: Já os.

- «capelas p’rá cabeça»: Refere-se, sem dúvida, às tradicionais capas de pano negro (burel), ainda hoje utilizadas em Castro.

- «chincharias»: Quinquilharias.

A conversa continua e finaliza no próximo capítulo, onde se falará dos “homes” valentes doutros tempos.

25/07/07

"en canto o mundo siga a se-lo mundo"


Despedida ao Crasto Laboreiro

Eu, que nunca eu dixera, escado os cotos
do Crasto Laboreiro, moumo urces
e dígovos que nada me conmove.
Sinto que a espada está vencida e corva.
Morte que me morceas, non me asustas.
Os corgos seguirán onde adoitaban.
Outros homes virán onde eu vivira.
No Crasto Laboreiro ha haber codesos,
carqueixas e herbas más descontra Gorgua
en canto o mundo siga a se-lo mundo.
O meu dó será lene bris de Outono,
e este adeus ás matérias e enerxías
en ningures será nunca lembrado.

Xosé Luís Méndez Ferrín in Estirpe (1994)

24/07/07

‘La indecisión es la llave a la flexibilidad’


No dia 4 de Janeiro de 2007 um grupo de bravos “Kayakers” Irlandeses (Celtas portanto!), desceram o Laboreiro desde a Ameijoeira até ao Ribeiro de Baixo num dia de nevoeiro. Tiraram fotografias absolutamente assombrosas, entre as quais a mais fantástica (para mim!) é a que vai publicada a encimar este “Post”.

Outras fabulosas:



Aqui a coisa não saiu conforme estava planeada:



Perante estas fotografias uma coisa é certa: - Este desporto é espetacular mas “hai que os ter no sítio” para alguém se atrever a pratica-lo, sobretudo em pleno Inverno. Tiro aqui o meu chapéu a estes valentes "Paddy's"!

Vejam o site e mais fotografias aqui.

23/07/07

Notas sobre a toponímia de Castro Laboreiro II - ALAGOA


ALAGOA [41°59'37.78"N; 8°10'17.13"O; Alt: 855m]:

Topónimo complexo formado pela aglutinação de 2 elementos (A-Lagoa). É um topónimo de origem hidrográfica e deve ter tido a sua origem numa construção hidráulica, provavelmente uma represa, ou como se diz em Castro: - Um “Pantáno”.

É um topónimo muito comum. Em Portugal Continental existem várias povoações assim designadas, inclusive existe uma freguesia com este mesmo nome no concelho de Portalegre. No Brasil existe uma Cidade chamada Alagoa no Estado de Minas Gerais.

Trata-se de uma Inverneira na margem direita do Rio Laboreiro, sendo que os seus habitantes mudam sazonalmente para a Branda do Rodeiro e de Formarigo, na margem direita e esquerda do Rio Laboreiro, respectivamente.

20/07/07

Conversa Castreja III

Há dias atrás deixamos o Tio Francisco (TF) e o Vizinho (VZ) a conversar sobre as inclemências do clima e os seus efeitos nefastos na agricultura e pecuária, agora vamos assistir a um monólogo em que o velho Tio Francisco irá dissertar sobre o progresso, a religião e o temperamento feroz do Senhor Reitor. Ora, “entôm”, aqui vai…

«(TF): - Intom bamos-che passando estes dous dias que temos neste mundo, c’ò pior é-che no outro, c’àqui sabemos os cardos que comemos, é no outro nom ch’o sabemos.
Olha qu’um tio de meu abô, que ch’era crego, é era cura do Senhor Reitor, diç que dizia muitas bezes, sentado ali naquele canto, qu’era o sitio d’ele, qu’inda habia de bir o tempo qu’òs homes habiã de boar e òs ferros qu’habiã de falar; è olha, ele indo nom biu, mas nós já bemos. O camboio diç que passa aí pela beira do Rio Minho, arriba e abaixo, que corre que desaparece; é aí em Melgaço diç que se manda ua parte, indas que seja p’ra Lisboa, por um ferrinho è por um arame que bai d’aqui até lá.
Intom nom sei que che diga, nom sei p’r’ónde caminhamos, assi com tanta finuria. Estas cousas, já se sabe, tamém o Demonho há-de ter nelas a sua parte è quinhóm, cà cabeça dos homes só nom fazia todo.


É assi bai andando o mundo! O que ch’êu digo é que agora nom hai a religiom d’outro tempo. Ora, que soubesse o Senhor Reitor belho que alguém nom ia á minsa algum dia de domingo, chamabò lá, dezia-lh’as todas!
Parece que sabia todo, parece c’adebinhaba. É se lhe puxassem pela idêa, Deus nos libre! c’escastanhaba um lá dentro d’aquela casa, é batia àquelas botas, que lhe chegabã ó joelho, naquele sobrado, que parece c’alagaba aquela casa. E fosses tu lá com rètólicas, cá che puxaba as orelhas!
Mais, meu amigo, naquele tempo habia-che grã é patacos é herba é gando é res; é todo andaba gordo é bonito: é huje é miseria a mais miseria! Eu sempre oubi dezer que com Deus é co’o lume nom ch’hai chanças.»


Observações ao texto:

- CARDOS: Caldos (sopas).

- CREGO: Clérigo – Como sabem existe uma família em Castro com esta nomeada “os Cregos”.

- É curiosa a forma como o autor do texto, expressa o assombro do Tio Francisco pela novidade que é o telefone e que, pelos vistos, já existia em Melgaço (convém não esquecer que este texto foi escrito por volta de 1904 – veja-se o “post” Conversa Castreja I): «(…) diç que se manda ua parte, indas que seja p’ra Lisboa, por um ferrinho è por um arame que bai d’aqui até lá».«(…) ua parte (…)» significa um recado ou uma mensagem.

- «c’escastanhaba um lá dentro d’aquela casa» - Escastanhaba é uma expressão insólita que eu nunca ouvi. A origem deve estar na operação de tirar as castanhas de dentro dos ouriços abrindo-os ao meio. Assim o Senhor Reitor, escastanhaba aqueles que lhe «(…) puxassem pela idêa (…)», ou seja aqueles que o aborrecessem ou contradissessem.

- «(…) parece c’alagaba aquela casa (…)» Segundo LEITE DE VASCONCELLOS nas anotações que faz ao texto “alagaba” quer dizer esborralhava, ou seja fazia cair a casa, trata-se por isso, em termos estilísticos, de uma hipérbole.

- GRÃ: Grão. De centeio, como é óbvio!

Para finalizar, há no texto, duas expressões das quais eu gosto muito, porque são deliciosamente Castrejas! Parece que estou a ouvir a minha avó ou o meu avô a dize-las! São elas:

- «E fosses tu lá com rètólicas, cá che puxaba as orelhas!» e «(…) com Deus é co’o lume nom ch’hai chanças».

Esta agradável e instrutiva Conversa Castreja continuará nos próximos capítulos…

19/07/07

Notas sobre a toponímia de Castro Laboreiro I - ADOFREIRE

TOPÓNIMO [do Gr. tópos, lugar + ónyma por ónoma, nome]: significa o nome próprio de um lugar.
TOPONÍMIA: significa o estudo linguístico ou histórico da origem dos Topónimos

Ao contrário de outras áreas do conhecimento como a História, a Etnologia, a Antropologia, a Sociologia e a Linguística, em que apesar de escassas sempre existem algumas fontes directas ou indirectas sobre Castro Laboreiro, a nível da Toponímia dos Lugares que compõe a freguesia, tanto quanto é do meu conhecimento, nada existe, excepção feita a duas ou três interpretações diferentes sobre o topónimo “Castro Laboreiro” que abordaremos em futuros “posts”.

Ora, eu não possuo conhecimentos nesta área científica, por isso proponho-me aqui, não a estudar em profundidade a Toponímia e fixar a origem e interpretação dos Topónimos dos Lugares de Castro (porque infelizmente não serei capaz!), mas antes a fazer um levantamento dos Topónimos e, na medida das minhas possibilidades, desbravar o caminho que conduza à sua interpretação, especulando e aventando hipóteses, pois na maioria dos casos é só isso que, legitimamente, se pode fazer.

Com toda a certeza, por desconhecimento ou até por esquecimento (pois isto de estar Longe de Castro Laboreiro também produz os seus efeitos na memória!) vou dizer e escrever muitas asneiras, por isso, mais do que nunca peço aos meus conterrâneos que visitam este Blog que participem, corrigindo-me ou completando as informações ou as hipóteses que irei publicando. Sobretudo peço que me ajudem nas informações que publicarei sobre as mudanças sazonais, ou seja, sempre que referenciar um topónimo de uma branda procurarei dizer o nome da (s) inverneira (s) para onde é feita a mudança da referida branda (e vice-versa) e é, precisamente, aqui onde vou dar as maiores argoladas, porque para além de sinceramente não ser conhecedor de todos os casos, ainda acresce o facto de as pessoas de uma determinada Branda mudarem para duas ou mais inverneiras (e vice-versa). Por isso, ajudem-me, pois eu terei o cuidado de corrigir o que for publicando e mencionarei que a correcção foi feita por informação de determinada pessoa (que se pode identificar ou manter o anonimato) e em determinada data.

Conforme sabem, a freguesia, que possui a área de cerca 90 Km2, é composta por 42 lugares “vivos” e três extintos (o Cobelo, o Porto dos Cavaleiros e o Baladoiro ou Abaladoiro), pelo que, como metodologia, irei referencia-los por ordem meramente alfabética.

Ora então, aqui vai o primeiro:

Adofreire [42° 3'20.39"N; 8° 8'29.32"O; Alt: 1072m] :

Topónimo complexo formado pela aglutinação de 3 elementos (A-do-Freire). Indica que, provavelmente, o lugar terá sido fundado, ou pertenceu a um Freire (Frade) como é claro no caso do lugar de ADOFREIRE na Freguesia de Pedrógão concelho de Torres Novas, distrito de Santarém, uma vez que neste caso sabe-se que a fundação de tal lugar se deveu a um freire da Ordem de São João de Jerusalém, dita de Malta.

Trata-se de uma Branda na margem direita do Rio Laboreiro, sendo que os seus habitantes mudam sazonalmente para as Inverneiras do Barreiro, Ramisqueira, Dorna, Açoreira e Dejanalbe, situadas, igualmente, na margem direita do Laboreiro.

Neste lugar existiu uma Escola Primária que servia todas as Brandas do lado direito do Laboreiro e que fechou por falta de alunos em data que não posso precisar, mas penso que terá sido na década de 80 do século passado.

18/07/07

Receita do caldo verde galego-portugués

«Para bo cabo (verde) deste proceso alquímico de cociña arraiana precisaredes poñer en auga de véspera:

- Unha cunca ou cunquiña (dependendo da família ou da fame ou da própria ideoloxia) de pequenas fabas secas das brancas.

- Unha fatea de unto non moi grosa.

- Óso de xamón com algo de carne “pegada” (non sexades cotrosos), ou un anaco de lacón ou un chisco de toucinho.

E tamén vos cumprirá:

- Un óso de tenreira (imprescindible que sexa de Vaca Cachena Arraiana VCA, a única que sube polas penedas coma as cabras, côa sua cornamenta imponente e o seu cuíno de baixo perfil dourado).

- Patacas da Limia non tratadas com fast caralladas.

- Berza galega ou nabiza da terra.

- Alquimia pura e dura.

No dia de cociñar líbrase a auga do remollo e ponse unha auga nova case até encher o pote, que terá dentro as fabas, o unto e mailo óso de xamón, que ficarán agradando que comece a fervedoira. Cando rache a ferver a festa gastronómica, introdúcese delicadamente o óso de cachena na auga; co brazo esquerdo se sodes de esquerda e metendo o brazo dereito até o cóbado se decides ser apolíticos. Á media hora de estar a cocer quítase o unto côa escumadeira ou côa mau ó fondo do pote, segundo merezades. Os demais elementos deixaranse ferver unha hora e media mais a lume de racheliña húmida para non consumirmos a auguiña. Ai, Dios mio Jasús, como está collendo retranca que semella estar a rir…a

Engándenselle logo as patacas enteiras, que cocerán até que teñam abrandado un algo. Entón apártanse todos os ósos para unha berza mollada escintilante e cortada coa unlla dun xabarín. Côa batidora ou cun muíno de manivela ou cós dentes mesmo, móense as patacas até que fique un caldinho espeso very o’clock, no ponto, non de mais esaxerados. Tamén somos un pobo de badaiocos esaxerados e inútiles.

As berzas (estas pouquiñas) ou as nabizas (aqueloutradas) estarán xa lavadas, escollidas e picadas com rigor benedictino. Nesse amado país chamado Portugal, por trás dos montes pólos que nunca imos, véndense unhas maquiniñas para cortar que as deixan coma fios de espagueti verde. Bótanse ó pote e deixanse cocer uns quince minutos, de reloxio de area, co pote a teito descuberto e unha man no peto e outra no pote.

Probar ou deixar de probar (sem agredir) e corrixir de sal. Non vos dixen nada do sal até agora porque coidaba que tiñades UN MÍNIMO DE SENTIDIÑO COMÚN, ineptos.

O verdadeiro, o auténtico, o xenuino caldo verde do lonxano oeste ourensano (raia galego-portugalizada, moita raia de dios) deberá ir servido en cunca de barro e levar por riba un chisco de óleo de oliva. Se se tem viño verde na casa pode un marchar a pé até o Castro Laboreiro sem deixar de voar á mesma altura da fartura do verde que Miguel Torga.»

In Revista Arraianos, I Tirada; Celanova, Agosto de 2004, a pág. 43.

16/07/07

Vale a pena subir à Pena


Embora não seja o ponto de maior altitude, a Pena d’Anaman (cerca de 100m de altura) é sem dúvida o monólito mais imponente e espectacular do território de Castro Laboreiro e é também aquele que mais se proporciona ao exercício da “Escalada”.

Tanto quanto me foi possível descobrir, a Pena já foi escalada por algumas vezes, contudo julgo que os primeiros montanhistas a realizarem tal proeza foram Vítor Viana e João Dinis em 1998.


Vitor Viana


João Dinis

Eis aqui a prova:



Eu também já lá subi mas não foi propriamente a escalar o coto! As vistas são espectaculares, como podem facilmente imaginar: Vêem-se perfeitamente quase todos os pontos do território, desde o planalto a Norte e Este, ao Vale dos Ribeiros a sudoeste, e percebe-se claramente que o território é formado por degraus a que correspondem as diversas cotas de altitude.

Vale a pena subir à Pena, mas é melhor ir por trás, partindo do Alto da Seara. Eu, quando lá fui, subi desde a Capela da Nossa Senhora d’Anaman, contornado o penhasco pelo lado direito, mas nessa altura devia ter cerca de 17 ou 18 anos e, mesmo assim, deixei os "bofes" pelo caminho!


13/07/07

A menina esbofeteada do frio



Já num anterior “post” chamado “O Colmo” tive a ocasião de publicar um texto de Miguel Torga sobre Castro Laboreiro. Tratou-se do trecho do final do Capítulo “Minho” do seu livro “Portugal”, obra publicada pela primeira vez em 1950. Aí, o grande Poeta e Prosador português, aborrecido com a verdura e o garrido das terras baixas do Minho («o vinho é verde, o caldo é verde»), inicia a sua viagem em Melgaço e chega a Castro Laboreiro à procura do «meu Minho» (Torga nasceu em São Martinho da Anta, Vila Real, sendo, por isso, um Transmontano, daí a sua identificação com as terras agrestes, planálticas e montanhosas de Castro Laboreiro!).

Bem, o texto que se inicia no “post” intitulado “O Colmo” continua assim:

«(…) Um rebanho de ovelhas silenciosas retouçava nas pedras da fortaleza desmantelada. E uma velha muito velha, desmemoriada como uma coruja das catacumbas, vigiava a porta do baluarte, a fiar o tempo. Era a pré-história ao natural, à espera da neta.

Ó castrejinha do monte,
Que deitas no teu cabelo?
Deito-lhe água da fonte
E rama de tormentelo.

Bonita, esbofeteada do frio, a cachopa vinha à frente dum carro de bois carregado de canhotas. Preparava a casa do Inverno para quando chegasse a hora da transumância e toda a família – pais, irmãos, gados, pulgas e percevejos – descesse dos cortelhos da montanha para os cortelhos do vale, abrigados das neves.

- Conhece esta cantiga?
- Ãhn?

Falava uma língua estranha, alheia ao Diário de Notícias, mas próxima do Livro de Linhagens do Conde de Barcelos.

-É legítimo este cão?
-É cadela.

Negro, mal encarado, o bicho, olhou-me por baixo, a ver se eu insistia na ofensa. O matriarcado teimava ainda…

- A Peneda?

A moça apontou a vara. E, como ao gesto de um prestidigitador, foram-se desvendando a meus olhos mistérios sucessivos. Todo o grande maciço de pedra se abriu como uma rosa. A Peneda, o Soajo e o Lindoso. Um nunca mais acabar de espinhaços e de abismos, de encostas e planaltos. Um mundo de primária beleza, de inviolada intimidade, que ora fugia esquivo pelas brenhas, tímido e secreto, ora sorria de um postigo acolhedor e fraterno.

Quando dei conta, estava no topo da Serra Amarela a merendar com a solidão. Tinham desaparecido de vez as cangas lavradas e coloridas que ofendiam as molhelhas do suor verdadeiro. A zanguizarra dos pandeiros festivos e as lágrimas dos foguetes já não encandeavam a lucidez dos sentidos. Os aventais de chita garrida davam lugar aos de estopa encardida. Nem contratos pré-nupciais ardilosos, nem torres feudais, nem rebanhos de homens pequeninos, dóceis, a cantar o Ave atrás do cura da freguesia. Pisava, realmente, a alta e livre terra dos pastores, dos contrabandistas e das urzes (…)»

12/07/07

Paris, as trutas e as saudades do “Tio Zé Cobelo”

«Agora aqui em Paris
cidade que o mundo inveja
sinto saudades da minha terra
e do sino da nossa igreja
Saudades em que se abrasa
a minha alma castreja.»

(Poema da autoria de José Joaquim Esteves, mais conhecido por “Tio Zé Cobelo”)

Estou seguro de que muitos dos que visitam este blog conheceram o Tio Zé Cobelo, já falecido (tragicamente!) há umas boas dezenas de anos. Esses sabem que para além de se tratar de um homem bom e honrado, foi um pescador e caçador sem igual, uma verdadeira lenda da pesca à truta e da caça ao coelho e sobretudo, à perdiz. Foi Mestre e inspirador de várias gerações de pescadores e de caçadores castrejos e até de outras zonas do país que se deslocavam a Castro para ter o prazer de praticar aquelas actividades na companhia sempre didáctica do Tio Zé. O grande realizador português Jorge Brum do Canto que nos finais dos anos 60 do século passado rodou em Castro Laboreiro o filme chamado “A Cruz de Ferro”, e que tinha a fama de ser um pescador de trutas e de achigãs ímpar (foi mesmo um dos introdutores desta última espécie em Portugal), chegou a dizer, sobre o Tio Zé numa entrevista que “em Castro Laboreiro encontrei, por fim, um Mestre”.

Eu, que também tinha a mania que era pescador de trutas, encontrei-o várias vezes no Rio, ali para os lados do “Salto do Gato” ou, mais abaixo, na “Assureira” ou em “Mareco”. Era eu rapazote dos meus 14 ou 15 anos e lembro-me que mal o via ia-me aproximando, rapidamente, se calhava de ir atrás dele, ou atrasando-me, se ia à frente, para ver se ele me apanhava e chegávamos à fala. Mas estes expedientes não eram necessários, pois o Tio Zé, com aquela bondade e generosidade que sempre o caracterizaram, mal me via chamava-me e logo dizia: “Quê rapaz? Que tal te corre o dia?” e este era o início de uma saborosa conversa/aula (mais ainda se o neto dele, o Zé Eduardo, mais ou menos da minha idade, o acompanhava como acontecia frequentemente!) sobre as trutas, e a influência do tempo no comportamento das mesmas, qual a técnica que se deveria utilizar naquele dia ou naquela época do ano. Como é óbvio o Tio Zé era um especialista inultrapassável nas várias técnicas de pesca à truta no Rio Laboreiro: - à minhoca, à bóia, à amostra ou “Lancê”, e à “mosca” ou “pluma”, aquilo que hoje se chama Fly-fishing, e que é, sem dúvida, a mais distinta e espetacular das técnicas e, por isso mesmo, aquela que o Tio Zé preferia. Já eu, era só pesca à Minhoca (e sabe Deus!) que praticava com uma cana que era um verdadeiro “estadulho”. Depois, o Tio Zé, face às minhas insistentes perguntas sobre a pesca “à pluma”, que me fascinava, como ainda hoje me fascina, se calhava de levar a cana dele, logo me punha “ensaiar” dando-me os conselhos necessários com aquela calma, bonomia e proficiência que caracteriza os homens nobres, generosos e sábios. Tenho muitas saudades do “Tio Zé” e daquelas tardes de pesca no maravilhoso Rio Laboreiro!

Ora, o Tio Zé como tantos outros Castrejos também foi emigrante, em Espanha e em França, tal como me disse o “Tio Adelino Cobelo”, filho do Tio Zé e Presidente da Junta de Castro Laboreiro, numa conversa que tivemos em casa dele há já bastantes anos e, no decurso da qual, me mostrou e me deixou copiar um pequeno manuscrito do “Tio Zé” onde constava o poema que coloquei no início deste “post”.

É um pequeno poema na forma mas grande no conteúdo, pois expressa comoventemente o sentimento do castrejo migrante de ontem, de hoje e de sempre.

Bem haja o bom do “Tio Zé Cobelo” e que esteja feliz lá onde estiver, se possível a ensinar os Anjos e os Santos a pescar trutas e a caçar perdizes, como só ele sabia fazer.

10/07/07

Conversa Castreja II

Depois de terem falado sobre a neve e sobre o Lobo, o Tio Francisco e o Vizinho continuam a conversar…

«(TF) – È que tal? Hai herba nos campos estiano?
(VZ) – A cousa regula pelos outros anos: nim hai muita, nim hai pouca, hai um remédio p’ra gobernar, é ir tendo mã dos ossos ás baquinhas, cá as minhas pequeninhas estiano sóm bem castigadas do frio.
(TF) – Sóm, sóm! Olha qu’este ano bai frio, qui-eu já conto dous carros è nom me lembro de tanta frialdade: só é por eu ser bélho, è senti-lo mais!
(VZ) – Olhe q’o ano bai sequeiro. A minha Maria tamém se queixa, q’às berças estiano já secárum todas co’a giada, é que nom hai com que faze’lo cardo: è a gente sem cardo parece que nom quéce por dentro.
(TF) – Ai intóm nom sô eu só que conheço isso, é porque é berdade, qu’o ano bai coelheiro; mais olha nom ch’hai mal que nom traga bem. O frio no seu tempo tamém ch’é bô, cá já meu abô dezia qu’[em Janeiro sube ó outeiro: è chora, se bires berdegar, è canta se bires terrear]. Olha c’ó ditado dos bélhos sai-che certo, por qu’olhà giada matos bichos qu’andã nos campos, p’ra que despois nom coma os fruitos e à nobidade toda.»


Como vêem o assunto da conversa deriva agora para o clima e a sua influência na pecuária e na agricultura e continuam a surgir expressões e formas fonéticas invulgares, como por exemplo:

- «ir tendo mã dos ossos das baquinhas» é uma expressão que significa, tudo leva a crer: “ter mão nos ossos das vaquinhas”, ou seja cuidar bem das vacas para que não sofram com a falta de alimentação (erva, feno).

- «qui-eu já conto dous carros», segundo LEITE DE VASCONCELLOS, nas anotações que faz ao texto, esta expressão significa que o Tio Francisco já tem 80 anos, porque um carro se conta por 40 alqueires.

- «qu’o ano bai coelheiro», julgo que quererá dizer que como o ano tem sido seco a tendência é para haver muitos coelhos bravos porque se tivesse chovido muito as ninhadas teriam morrido nas tocas inundadas. Ou então quererá dizer que como têm nascido muitos coelhos mansos haverá dificuldade em alimenta-los dada a falta das berças (couves) que a geada secou!

- «em Janeiro sube ó outeiro: è chora, se bires berdegar, è canta se bires terrear» - é um provérbio que segundo LEITE DE VASCONCELLOS era comum em Portugal nessa época.

A conversa continuará em futuros “posts”…

09/07/07

Conversa Castreja I

Personagens: Tio Francisco (TF) e um Vizinho não identificado (VZ)

(VZ)- Deus lhe dia boas noites tio Francisco! Intóm est’á ó lume, ei! É ele huje sabe, cá faz um frio que parece Janeiro, com’é.
(TF) - Isto um bélho tem de star sempre’ó lume, cá lá ó frio nom pode star! Intóm stou p’ràqui ó borralho p’ra tê’los pés quentes.
(VZ) - Cecais qu’estaria milhôr na cama porqu’ò calor da cama é milhôr.
(TF) – Mais na cama nom se póde estar sempre, c’àté dói o corpo è os ossos: è em canto a gente póde lebantar estas pernas, bai-s’erguendo.
(VZ) – Pois eu huje fui guiá’la auga á Porteleira, é bi-me mal co’a nebe: todo era escorregar, escorregar, que dei cada caída, c’até me parcia que nom me lebantaba, nim binha pr’ó eido!! É apareceu-m’o condanido do lobo no caminho, que p’ra me librar d’ele, bi-m’entr’à cruz e o caldeirinho, è pensei que era huje a minha última.
(TF) - Sume-t’artelo! Eu t’arrenego! Àbrenúncio! Que demonho de bicho! Cá faç tanto mal perí! Só com obelhas tem comido tantas, tantas, c’àté nom sei como lhe nom cái o rabo co’as unturas que dá ás tripas!
(VZ)- Veigam-che cantos hai no outro mundo! C’ó demonho do lobo até me fezo pôr rouco a berrar eu ú, ú, ú; mais ninguém m’oubia. Olhe cá pensei que lhe daba üa cêa àquele condanido. Eu bém chamaba é berregaba, mais ninguém me falaba! O escomungado parece qu’adebinhaba que estabámos ali só os dous, p’ra juntá´los coletes.

(TF) – Pois graças a Deus qu’escapache d’esta enfeita. (…)

Este é a primeira parte de um diálogo, imaginário, entre dois Castrejos e foi escrito em 1903 pelo Abade de Melgaço da altura, o Padre Manoel José Domingues, natural de Castro Laboreiro tendo sido publicado por JOSÉ LEITE DE VASCONCELLOS in Opúsculos, Vol. II – Dialectologia (parte I), págs. 365 a 369 – Coimbra, Imprensa da Universidade 1928.

É um documento muito curioso, pois julgo tratar-se da primeira tentativa de escrever o designado “Dialecto de Castro Laboreiro”, e tem a mais valia de o autor ser um natural da nossa Terra.

Há contudo uma incoerência na situação descrita na conversa. Incoerência que se traduz no facto de o Vizinho dizer ao Tio Francisco que foi guiar a “auga” quando afinal havia uma nevada tão grande que o próprio diz que se fartou de escorregar: “(…) dei cada caída, c’até me parcia que nom me lebantaba, nim binha pr’ó eido.” . Ora, tanto quanto sei não se guia a “auga” no Inverno. Esse é um trabalho que se pratica no fim da primavera e no início do verão quando o clima é seco e a falta de pluviosidade obriga a que o regadio se faça utilizando a água previamente reservada nas poças das minas.

Bom, a parte esta pequena incoerência, o texto é absolutamente delicioso, embora algumas palavras e expressões sejam um tanto ou quanto estranhas para quem está familiarizado com a “fala” de Castro (pelo menos para mim!), contudo tais palavras, expressões ou formas fonéticas, podem muito bem ter estado em uso à data da criação do diálogo (finais do Sec. XIX e princípios do Sec. XX) e entretanto terem caído em desuso.

Veja-se por exemplo.
INTÓM: a meu ver a grafia mais correcta para corresponder com o fonema da palavra seria ENTÔM.
CECAIS: Nunca ouvi dizer este termo. Aquele que conheço é SECALHA, ou melhor SE CALHA.
CONDANIDO: Também não conheço, talvez devesse ser CONDENADO ou CANDANADO (cão+danado).
SUME-T’ARTELO: Também nunca ouvi, mas soa mesmo a “castrejo”.

De qualquer forma vê-se que o texto foi escrito por alguém que realmente conhecia o falar da gente de Castro Laboreiro, pois quase todas as palavras e expressões são familiares a quem conheça por dentro a forma como as pessoas de “Castro Laboreiro” se expressam na sua autenticidade, ou seja sem as adulterações que o “português” norma tem aportado ao velho dialecto das gentes de Castro.

Nos próximos posts veremos a continuação deste diálogo.

06/07/07

Às Mães de Castro Laboreiro

«AS MÃES

Quando voltar ao Alentejo as cigarras já terão morrido. Passaram o verão todo a transformar a luz em canto - não sei de destino mais glorioso. Quem lá encontraremos, pela certa, são aquelas mulheres envolvidas na sombra dos seus lutos, como se a terra lhes tivesse morrido e para todo o sempre se quedassem órfãs. Não as veremos apenas em Barrancos ou em Castro Laboreiro, elas estão em toda a parte onde nasce o sol: em Cória ou Catânia, em Mistras ou Santa Clara del Cobre, em Varchats ou Beni Mellal, porque elas são as mães. O olhar esperto ou sonolento, o corpo feito um espeto ou mal podendo com as carnes, elas são as Mães. A tua; a minha, se não tivesse morrido tão cedo, sem tempo para que o rosto viesse a ser lavrado pelo vento. Provavelmente estão aí desde a primeira estrela. E o que elas duram! Feitas de urze ressequida, parecem imortais. Se o não forem, são pelo menos incorruptíveis como se participassem da natureza do fogo. Com mãos friáveis teceram a rede dos nossos sonhos, alimentaram-nos com a luz coada pela obscuridade dos seus lenços. Às vezes, encostam-se à cal dos muros a ver passar os dias, roendo uma côdea ou fazendo uns carapins para o último dos netos, as entranhas abertas nas palavras que vão trocando entre si; outras vezes caminham por quelhas e quelhas de pedra solta, batem a um postigo, pedem lume, umas pedrinhas de sal, agradecem pelas almas de quem lá têm, voltam ao calor animal da casa, aquecem um migalho de café, regam as sardinheiras, depois de varrerem o terreiro. Elas são as Mães, essas mulheres que Goethe pensa estarem fora do tempo e do espaço, anteriores ao Céu e ao Inferno, assim velhas, assim terrosas, os olhos perdidos e vazios, ou vivos como brasas assopradas. Solitárias ou inumeráveis, aí as tens na tua frente, graves, caladas, quase solenes na sua imobilidade, esquecidas de que foram o primeiro orvalho do homem, a primeira luz. Mas também as podes ver seguindo por lentas veredas de sombra, as pernas pouco ajudando a vontade, atrás de uma ou duas cabras, com restos de garbo na cabeça levantada, apesar das tetas mirradas. Como encontrarão descanso nos caminhos do mundo? Não há ninguém que as não tenha visto com umas contas nas mãos engelhadas rezando pelos seus defuntos, rogando pragas a uma vizinha que plantou à roda do curral mais três pés de couve do que ela, regressando da fonte amaldiçoando os anos que já não podem com o cântaro, ou debaixo de uma oliveira roubando alguma azeitona para retalhar. E cheiram a migas de alho, a ranço, a aguardente, mas também a poejos colhidos nas represas, a manjerico quando é pelo S. João. E aos domingos lavam a cara e mudam de roupa, e vão buscar à arca um lenço de seda preta, que também põem nos enterros. E vede como, ao abrir, a arca cheira a alfazema! Algumas ainda cuidam das sécias que levam aos cemitérios ou vendem pelas termas, juntamente com um punhado de maçãs amadurecidas no aroma dos fenos. E conheço uma que passa as horas vigiando as traquinices de um garoto que tem na testa uma estrelinha de cabrito montês - e que só ela vê, só ela vê.
Elas são as Mães, ignorantes da morte mas certas da sua ressurreição.»
Eugénio de Andrade in "Vertentes do olhar" (1987)

05/07/07

Caras de tapuias tostadas

Castro Laboreiro, 26 de Setembro de 1791:

«Escrevi (…) da Vila dos Arcos, agora faço-o de Castro Laboreiro (…).
Que serras fragosíssimas; que caminhos, que desfiladeiros! O Lugar onde estou actualmente é a Noruega de Portugal: não se vêem senão rochas escarpadas e medonhas; árvores de frutos nem uma só; e até as outras são muito raras: não há milho, nem trigo nem hortaliça de casta alguma; apenas o grão do centeio.

Que lhe hei-de dizer da gente? Estão na sua primitiva simplicidade, sem que o luxo tenha feito aqui a mais leve alteração: homens, e mulheres com o seu respectivo uniforme, do qual nenhum se afasta.
Não há coisa mais feia que o (uniforme) do sexo feminino: uma manta de Saragoça dobrada na cabeça descendo da parte de diante até ao peito, muito cosida com o rosto, sendo que por traz chega quase até ao chão; um avental do mesmo tecido (…), polainas de pano branco, e uns tamancos muito altos, atados com diferentes correias; é assim o vestido geral de todas.
As caras são de tapuias tostadas e disformes, contudo sabem os Mistérios da nossa Santa Religião; amam as coisas de Deus, e não me consta que haja no lugar escândalos grosseiros.
Ficaram contentíssimos de me ver na sua terra, aonde não ia nenhum prelado há cerca de um século; e desde que cheguei, sempre a igreja tem estado cheia de povo.
Queria dizer-lhe mais, pois há muito para contar; mas falta o tempo.»
[Transcrição em português actual da Carta de Dom Frei Caetano Brandão in AMARAL, António Caetano de. Memórias para a história da vida do venerável D. Frei Caetano Brandão. 2 vols. Lisboa, Na Impressão Régia, 1818. 2ª ed. Braga, Typografia dos Orphãos 1867, extracto publicado por Alice Duarte Geraldes in Brandas e Inverneiras – particularidades do sistema agro-pastoril crastejo, Cadernos Juríz Xurês n.º 2, 1996, págs. 13 e 14.]
Esta carta, escrita por Dom Frei Caetano Brandão, Arcebispo de Braga de 1790 a 1805, a quem Camilo Castelo Branco designou como «O mais glorioso vulto das cristandades lusitanas.» expressa o espanto e o assombramento com que o mencionado Arcebispo encarou Castro Laboreiro aquando da sua viagem em 1791 (portanto no Reinado de Dona Maria I -24/02/1777 a 20/03/1816).
É desde logo curiosa a comparação que faz quando diz que «o Lugar onde estou actualmente é a Noruega de Portugal». Também é interessante a descrição que faz sobre a indumentária (uniforme) das mulheres referindo-se à tradicional capa como sendo «(…) uma manta de Saragoça (…)», aos “calçons” como «(…) polainas de pano branco(…)» e aos “soques” como «(…) uns tamancos muito altos (…)atados com diferentes correias».
Depois passa para uma descrição da cara dos Castrejos utilizando uma comparação nada abonatória para os nossos longínquos antepassados. Diz ele que parecem «(…) tapuias tostadas e disformes (…)». Ora os tapuias eram, e ainda são, um grupo indígena que habita o noroeste do estado brasileiro de Goiás , que o Dom Frei Caetano conhecia por ter sido entre 1782 e 1790 Bispo de Belém do Pará. Claro que para um indivíduo habituado às peles lustrosas que frequentavam (como ainda frequentam) as cortes e os Paços episcopais, aquela pobre e sofrida gente que mourejava dia a dia sob as inclemências do clima da montanha com as consequências que daí advém para a pele do rosto, pareciam «tapuias disformes».
Apesar desta comparação nada feliz para os nativos de Castro Laboreiro, tem que ser dado o mérito ao Dom Frei Caetano de lá ter ido, pois isso revela-nos uma preocupação, pelo menos, com o bem estar espiritual daquelas pessoas, tanto que diz ele àquela terra «(…) não ia nenhum prelado há cerca de um século (…), embora não «(…) haja no lugar escândalos grosseiros» (presumo que o nosso Arcebispo se quis referir a incestos, concubinatos e escândalos do género).


Imagens do Arcebispo Dom Frei Caetano Brandão


Como podem ver o Dom Caetano também não vestia lá muito bem de cara!

Parece um Kiwi!

Esta é a estátua de Dom Frei Caetano Brandão existente em Belém do Pará.

Aqui está mais favorecido!

04/07/07

Castro Labrador!? Uma teoria (im)provável!?

Sabem que há quem diga que:

«A origem do Retriever do Labrador não é claramente definida, mas sabemos que ele veio da costa leste do Canadá na área de Newfoundland (Terra Nova) e St John's Island (ilha de São João), sendo que essa área se localiza ao sul de Labrador. No início do século 18, pescadores do litoral Atlântico da Europa (nomeadamente Portugueses) iam para Newfoundland pescar e utilizavam o cão local, que parecia ser um cão de mil e uma utilidades: Carregavam lenha no inverno, subiam terrenos onde cavalos não podiam e ajudavam os donos na pescaria durante o Verão. Sem dúvida, os cães levados pelos pescadores de seus países (dos quais, muito provavelmente, o Castro Laboreiro) cruzaram com os cães locais e assim nasceu o Retriever do Labrador (…)»


E sabiam ainda que:

O nome Labrador (ou península do Labrador) é um dos nomes de origem europeia mais antigas do Canadá, quase tão antigo quanto o nome Newfoundland (Terra Nova). A região do Labrador foi nomeada em homenagem ao explorador português João Fernandes Lavrador, que, juntamente com Pedro de Barcelos, avistaram a região em 1498, portanto cerca de 6 anos após o desembarque de Cristóvão Colombo na “Hispaníola” (actual ilha do Haiti).

Mapa da Península do Labrador, da Ilha da Terra Nova e de outras ilhas e terras no Golfo de São Lourenço:



03/07/07

Baldios II

Pelo Blog “CASTRO LABOREIRO” fiquei a saber que, em Castro, há já duas Assembleias de Compartes e, no próximo dia 8 de Julho vai ser constituída mais uma, chamada Baldio de São Bento e composta pelos compartes de Portelinha, Vido e Várzea Travessa!

Pergunto-me sobre o porquê de estarem a surgir Assembleias de Compartes como cogumelos (cogordos, como se diz em Castro). Qual será o interesse em fragmentar a Administração dos Baldios? Será que descobriram petróleo no “Coto de Esfola Lobos” ou gás natural na “Lama do Vido” e não querem dividir com os outros?

O que é que se passa afinal? Será que estão ter noção dos problemas que podem advir desta fragmentação? As fronteiras entre as zonas territoriais de gestão das respectivas Administrações de Compartes já estão definidas? E se não estão quando, onde e como vão ser definidas?

De facto, gostava muito de saber quais os interesses (económicos?; políticos?) que subjazem a este movimento desagregador da Administração dos Baldios Castrejos!

Será que alguém (bem informado!) me pode explicar o que se está a passar?

02/07/07

Quinhas e a Viagem ao Princípio do Mundo


Em Castro não há quem não conheça a “Maria Carboeira”, mais familiarmente tratada por “Quinhas”. O que poucos sabem é que a Quinhas foi figurante involuntária no filme “Viagem ao Princípio do Mundo” de Manoel de Oliveira, rodado parcialmente em Castro e que tem a particularidade de ser o último filme de ficção protagonizado pelo grande Marcello Mastroianni (1923-1995)! Ah pois é!

http://www.madragoafilmes.pt/viagemaoprincipiodomundo/#

Aliás a cena onde ela aparece é hilariante, pois trata-se de uma filmagem feita sobre o Eirado, a partir da varanda da casa dos Canavezes. A “Quinhas” está junto ao cruzeiro de braço no ar a vociferar contra o cameramen e a manda-lo para aquela parte, como, aliás, sempre faz a todos os desconhecidos (e a muitos conhecidos!) que encontra a jeito.

Grande Quinhas! É assim mesmo! A autenticidade acima de tudo!