30/12/08

Terra frigidíssima de neves


Em 1706, no seu "Corografia portugueza, e descripçam topografica do famoso reyno de Portugal", diz o Padre António Carvalho da Costa sobre Castro Laboreiro:
«Da Vila de Castro Laboreiro,
Duas léguas e meia de Melgaço entre o Nascente e o Meio-Dia está a Vila de Castro Laboreiro, a que vulgarmente chamam Castro.
É terra montuosa e frigidíssima de neves, seus ordinários frutos são centeio e pouco milho miúdo, muitos gados de toda a casta, as maiores ovelhas Galegas e que dão o melhor burel de todo o Portugal, e assim os melhores lacticínios produzidos dos férteis pastos de hervagens, que aqueles montes tem no Verão, a caça de coelhos, lebres, perdizes, javalis, corças, & “veaçaõ” de lobos, raposas, martas, tourões, ginetas e outros bichos é infinita, e em um pequeno regato grande quantidade de trutas. Não tem outras árvores senão poucos e pequenos carvalhos, bastantes nabos, menos couves Galegas, frias e delgadas águas.
Tem os moradores grandes privilégios, que lhes concederam os nossos reis em remuneração dos grandes serviços que lhes fizeram nos tempos das guerras destes Reinos. Governa-se por Câmara de dois Juízes Ordinários, que também servem nos Órfãos, dois Vereadores e Procurador do Concelho, eleição trienal do Povo e Pelouro a que preside o Ouvidor da de Barcelos e dois Tabeliões que servem em tudo.
Tem em rocha viva um inexpugnável castelo que uns dizem ser obra dos Mouros; outros que levantando-se na Galiza um Conde chamado Vitiza, Utiza ou Guicia contra El Rei Dom Afonso o Magno terceiro em número, mandou conquista-lo por Hermenegildo, Conde das Cidades do Porto e Tui, seu parente e Mordomo, o qual o venceu e lho trouxe preso, pelo que El Rei lhe deu as terras do traidor e entre elas a Vila de Lima, aonde depois seu neto São Rosendo fundou o Mosteiro de Cela Nova e este Monte Laboreiro, em que seu bisneto Dom Sancho Nunes de Barbosa, cunhado Del Rei Dom Afonso Henriques, fundou este Castelo, que se assim foi, seria em oposição das guerras que com o Reino de Leão tivemos. Mas pelos nomes de Castro e Laboreiro, que derivados do latim querem dizer “Castelo Trabalhoso” ou que está em terra trabalhosa, como esta o é para o trato humano, me parece ser do tempo dos romanos; e que seja mais antigo que El Rei Dom Afonso Henriques não há dúvida, pois ele o conquistou com um duro cerco, como se vê de uma Doação ao Couto de Paderne, (…), por onde atribuir-se esta fábrica a El Rei Dom Dinis seria mais reedificação que edifício. Consta de uma torre que pouco antes que os “paisanos” o entregassem aos Galegos voou com o incêndio que um raio causou dando no armazém da pólvora, que sempre o Céu ameaça as últimas ruínas com sinais antecedentes à nossa prevenção. E tem uma muralha tosca com duas portas, uma para o Poente, pela qual se pode ir a cavalo e outra para o Norte, por onde mal pode uma pessoa ir a pé. Vinte homens bastam para o defenderem de grandes exércitos mas é quase incapaz de habitar-se.
A um tiro de arcabuz para o Norte está a Vila em sítio plano, que terá setenta vizinhos, da qual é Senhor o Duque de Bragança, que dá os ofícios. Tem o termo uma Freguesia que é a seguinte.
Santa Maria de Castro, formosa igreja, foi Vigararia anexa à Matriz de Ponte de Lima, passou a Abadia dos Bispos de Tui, quando o eram também destas terras, trocou-a por outras o Bispo Dom João Fernandes de Sotomayor com El Rei Dom Dinis no ano de 1308. E hoje é Comenda da Ordem de Cristo e Reitoria com quarenta mil reis, ao todo cento e vinte mil reis e ordenado para o Coadjutor, e para a Comenda duzentos e cinquenta mil reis, tudo “data” dos Duques. Tem duzentos e vinte vizinhos de que se forma uma Companhia mui alentada.
Entre as mais Ermidas que tem à uma de Nossa Senhora de Anamão, imagem milagrosa, que está num vale junto à raia, metida nuns grandes penhascos, onde foi achada no buraco que a natureza obrou num monstruoso penedo. Dizem que a trouxeram por vezes à Igreja mas que outras tantas se tornou e por isso ali lhe fizeram a Ermida.
Na chão tão “dilstada” que terá cinco ou seis léguas de circunferência, nasce o pequeno rio em que se criam as trutas, no qual há uma pequena ponte que chamam Pedrinha, fábrica de Mouros.
Quando vamos do Porto dos Asnos ou dos Cavaleiros, passamos outro limitado ribeiro pelo qual foi a pé o Santo Arcebispo Dom Frei Bartolomeu dos Mártires a visitar aquela Igreja. Tem virtude esta água para curar a boca “lixosa” das crianças e outras enfermidades. Então disse que tarde ali tornaria outro Arcebispo e assim foi, porque “suposto” o intentou Dom Sebastião de Matos e Noronha e não o conseguiu e só em nossos tempos o fez o Eminentíssimo Cardeal Dom Veríssimo de Lancastre, nosso Inquisidor Geral quando era Arcebispo de Braga.
Para prova da frialdade da terra “baste”, que o vinho se congela no Inverno de modo que para a Missa é necessário aquece-lo, do que se tivera notícia não se admiraria o Aragonês Vitrian nas notas a Filipe de Comines (…) de o cortarem com escopro e martelo junto a Liége no exército de Carlos o Bravo, Duque de Borgonha no ano de 1468, porque como Aragão é terra quente, parecia-lhe que todo o mundo assim devia ser.»
Esta descrição corográfica é a mais antiga que conheço sobre a nossa terra e serviu de base a várias outras, posteriormente elaboradas. Tem várias curiosidades e algumas informações interessantes sobre o Castelo e até sobre uma visita que o famoso e ilustre Frei Bartolomeu dos Mártires terá efectuado à nossa terra, o que terá acontecido algures entre 1559-1581, período temporal em que o dito prelado foi Arcebispo Primaz de Braga.
Curiosa é também a referência ao vinho que congela no inverno "de modo que para a missa é necessário aquece-lo"!
Algo que estranho nesta descrição é a falta de referência ao Cão de Castro Laboreiro, pois tudo leva crer que já nesta longínqua era (finais do séc. XVII, inícios do Séc. XVIII), o raça já fosse conhecida e se destacasse como um dos "produtos" mais distintos de Castro Laboreiro!?

3 comentários:

Anónimo disse...

qual porta a poente? e porque duas?sao tres portas!

Eira-Velha disse...

Interessante contributo para percebermos melhor a história de Castro Laboreiro.
Mas o vinho congelado não tem a ver com o frio mas sim com a água que lhe misturavam os almocreves que o transportavam nos odres feitos de pele de cabra ou similar, disso tenho a certeza... :)
Um bom Ano e...





Força na Berga

Bocanegra disse...

É! O bom Padre Costa enganou-se mesmo pois a porta a que se refere fica a nascente e não a poente! Tanto quanto me lembro a tradição oral refere-se a esta como sendo a "Porta do Sol" e à outra, a que fica a norte do recinto amuralhado, a "Porta do Sapo". A "Porta do Sol" foi com toda a certeza a principal entrada do castelo, uma vez que era aquela que dava acesso ao único caminho que permitia o trânsito de cavalos, gado bovino, ovino e caprino e até de carros de carga de tracção animal.

Em conformidade com o que diz o anónimo que enviou o comentário supra, e muito embora a minha memória já não mo permita recordar com exactidão,julgo que existe uma outra porta na muralha oriental,uns metros a norte da "Porta do Sol", mais pequena e que não é arqueada, ao contrário das outras três.

Existe ainda uma outra porta, mas está situada no interior da cerca, no muro que divide o recinto em duas áreas:

- A parte norte, mais pequena, onde se situava a torre de menagem (e agora comporta o marco geodésico) e que era servida pela "Porta do Sapo".

- A parte sul, de maior área, onde se encontram as ruínas de pelo menos um pequeno edifício e que era servida pela "Porta do Sol".

Aproveito para sublinhar que não são de estranhar inexactidões neste como noutros relatos corográficos, pois que na quase totalidade dos casos o autor, aqui o Padre Costa, não visitavam os lugares que descreviam, antes se baseavam em descrições anteriores e estas noutras, num ciclo que só parava numa descrição inicial feita por um qualquer viajante ou colhida de um qualquer habitante da terra descrita. Assim, se essa descrição inicial enfermasse de um erro, como acontece, na descrição do Castelo do Laboreiro na Corografiia do Padre Costa, tal erro iria, sem dúvida afectar todas as descrições posteriores, até ser detectado por alguém e corrigido.

Quanto ao vinho gelado, não me custa nada acreditar na teoria do meu amigo Eira-Velha, pois que vinho, em Castro Laboreiro, tanto hoje como no Século XVII ou XVIII, só se for trazido por almocreves. Ora estes mercadores, sobretudo os mais dados à trafulhice, bem o poderiam aguar, ou até os próprios clientes dos almocreves podem ter recorrido a este processo para "esticar" a quantidade do precioso liquído, pois, Castro Laboreiro, apesar de ser uma terra portuguesa alcandorada nas montanhas minhotas é chão que não dá uvas!