19/06/08

Trajo de Noiva


«A saia era feita de tecido xadrez, da Covilhã. Chegava a ter dois metros de largura e o comprimento ia até ao tornozelo. A beira da saia era debruada com uma fita de lã preta, à qual se seguia uma barra de um palmo de veludilho preto e cima desta uma tira de cetim da mesma cor. A barra de veludo era contornada com um fitilho de lantejoulas e vidrilhos.
A blusa era de castorina de cor escura. apertava à frente com botões e a manga era comprida. Por cima levava um peitilho em renda.
Algumas noivas, nem todas, vestiam um casaco de casimira ou saragoça preta, cujo comprimento não chegava bem à cinta. Aplicava-se-lhe também como guarnição uma tira de veludilho à volta e outra na ponta das mangas.
O "mandil" também preto, ou era de cetim com barra de veludo, ou de veludo com barra de cetim.
Na cabeça levavam as noivas um lenço de seda que, segundo a opinião da nossa informadora, era lindo: dourado, florido com franjas a toda a volta . Atavam as duas pontas sob o queixo.
Usavam ainda um xaile de casimira preta com barras às cores de larga franja tecida. O xaile era simplesmente posto sobre os ombros, sem ser traçado.
A saia, que usavam por baixo, era de linho e enfeitada com rendas e entremeios de crochet.
Ao pescoço, as noivas traziam um cordão de ouro com 3 ou 4 voltas, oferecido pelo noivo. Uma das voltas deste cordão passava por vezes debaixo do braço.
No dia da boda as noivas usavam sapatos.
(...)
Segundo informações que nos foram prestadas, o primeiro casamento que se realizou na "Vila" com noiva à moda da cidade, isto é, sem ser à moda da terra, data de há 12 anos atrás. Depois deste, o hábito pegou de forma radical e hoje já ninguém leva o trajo tradicional.
Sobre a quebra de tal costume, uma jovem na casa dos 19 anos, ainda solteira, deplorava que o tradicional trajo de noiva tivesse sido preterido por outro tão incaracterístico e a todos os títulos mernos belo. Acalentava o sonho de ir vestida, se o namorado a isso não se opusesse, como as noivas antigas da sua terra, porque, segundo a sua opinião, a modernização não devia destruir o que de belo havia na vida da sua gente. Era uma moça inteligente, que tinha noções concretas e muito bem concertadas sobre o valor da cultura tradicional e do que havia de secundário e essencial nela.»

Alice Geraldes: CASTRO LABOREIRO E SOAJO - Habitação, vestuário e trabalho da mulher; Edição do Serviço Nacional de Parque, Reservas e Património Paisagístico, Lisboa 1979

A Professora Alice Duarte Geraldes, que foi durante muitos anos docente da Universidade do Minho na área da Sociologia e da Antropologia é uma das cientistas sociais portuguesas que mais estudou a sociedade castreja nos seus vários aspectos: - Sociológicos, antropológicos etc... O seu trabalho desenvolvido em Castro Laboreiro em finais da década de 70 do século passado é por isso uma referência incontornável para quem pretenda ter uma visão minimamente consistente da sociedade castreja não só dessa década mas também das décadas anteriores.

Lembro-me de ter tido o prazer de a conhecer pessoalmente, era eu um miúdo de cerca de 12 ou 13 anos. Recordo-me de uma pessoa extremamente calma, simpática e afável, sentada num escano da nossa casa velha a ouvir as velhas estórias da minha avó enquanto a ajudava com o fuso e com a roca, desfazendo-lhe os nós da lã a ser fiada. A Professora Alice era e ainda é uma a pessoa muito querida para todos os castrejos que se lembram dela.

O texto que acima publico foi retirada de uma das suas obras fundamentais sobre Castro Laboreiro, publicada em 1979 "CASTRO LABOREIRO E SOAJO - Habitação, Vestuário e Trabalho da Mulher". Este texto para além de ser a único documento que conheço onde consta uma descrição do velho trajo das noivas Castrejas, tem também a particularidade de conter a preciosa informação sobre a época em que tal trajo foi substituído pelo "trajo da cidade", ou seja pelos modernos vestidos de noiva. Sobre isto refere a Professora Alice que segundo informações que lhe foram prestadas tal transformação se terá dado "há 12 anos atrás" ou seja por volta de 1967.

2 comentários:

fotógrafa disse...

Neste primeiro dia de verão,venho desejar a todos, um fim de semana radioso, e para os do Norte…BOM FDS prolongado, com o São João a caminho…
abraço

fotógrafa disse...

É uma pena que a nossa sociedade, esteja transformada numa repetição de tudo o que vem de fora...
sem duvida que os costumes das nossas terras, deveriam ser preservados, mas a sociedade de consumo é implacável e as pessoas não resistem ao apelo...
ainda me lembro de ver casamentos no Minho, onde as noivas iam radiosas nos seus trajes tipicos, duma beleza impar...
Pode ser que, qualquer dia a roda da vida dê a volta e que os costumes que se perderam, voltem...
abraço