11/02/08

Uma montanha comprimida

Autor da Fotografia: ANDREAS NEUMMAN

O que eu aprecio em Torga é a força rigorosa e granítica das suas palavras, a sua poesia telúrica e atávica, e sobretudo a extrema beleza construída a partir das palavras nuas, sem qualquer espécie de adorno ou pretensiosismo. Por isso estou constantemente a lê-lo e relê-lo. No outro dia deparei-me com este texto que aqui vos deixo:


«Castro Laboreiro, 6 de Agosto de 1948 — Não, não terei a hipocrisia de dizer que seria aqui o meu paraíso, aqui que não há papel, nem tinta, nem cinema, nem livrarias, nem cafés, nem nenhum dos tóxicos de que necessito. O homem põe, mas a vida dispõe. A cidade é como as prostitutas: o seu amor é falso, mas vence o de qualquer mulher honrada. Agora que são estas pedras, estes gados, estas alturas que vivem recalcadas no meu sangue, não há dúvida. (...)

Mal apanho uma aberta, sou como um galgo pelos montes acima. Não posso dizer o que sinto, nem o que procuro. Mas as pedras parecem-me fofas debaixo dos pés. A parte mais íntima de mim encontra-se e expande-se. Citadino e perdido, sou na verdade uma montanha comprimida.»

Torga, Diário IV



E em vocês? O que é que vive recalcado no vosso sangue?


1 comentário:

Eira-Velha disse...

"O melro puxa sempre para a silvareira", dizia o nosso povo, e é verdade. Torga, apesar de viver e morrer na cidade, nunca perdeu a rusticidade duriense, S. Martinho de Anta, S. Leonardo de Galafura, o vale do Douro, as serras do Marão e do Alvão...
E eu sinto-me melhor quando subo a serra e contemplo o mundo lá do alto, talvez por me sentir mais próximo do céu...