27/06/08

Primeiro Aniversário


Faz hoje exactamente um ano que iniciei este "longínquo" Blog sobre Castro Laboreiro.

Decorrido um ano a intenção mantém-se: - Falar de Castro, divulgar Castro, acarinhar Castro! Isto apesar de algumas derivas intimistas que não tive o bom gosto de conter!

Julgo que o esforço tem valido a pena. As mais de 6000 visitas ao Blog durante este último ano assim o parecem demonstrar! Mas mesmo que assim não fosse, mesmo que só fossem seis, sessenta ou seiscentas, teria valido a pena porque o prazer que tenho retirado desta realização tem sido imenso e ainda porque, como dizia o outro: - "A alma (de Castro Laboreiro, diria eu!) não é pequena!"

Agradeço a todos os visitantes que passaram e passam por aqui, mas sobretudo aos meus amigos Eira-Velha e Fotógrafa, que, tantas e tantas vezes, com os seus comentários tem impedido que me sinta um pregador no deserto!

De resto, garanto que, com ou sem deserto, vou continuar "até que a voz me doa"! E esta noite vou beber uma "champanhada" por conta do "Longe..." e à vossa saúde!

Abraços para todos.

19/06/08

Trajo de Noiva


«A saia era feita de tecido xadrez, da Covilhã. Chegava a ter dois metros de largura e o comprimento ia até ao tornozelo. A beira da saia era debruada com uma fita de lã preta, à qual se seguia uma barra de um palmo de veludilho preto e cima desta uma tira de cetim da mesma cor. A barra de veludo era contornada com um fitilho de lantejoulas e vidrilhos.
A blusa era de castorina de cor escura. apertava à frente com botões e a manga era comprida. Por cima levava um peitilho em renda.
Algumas noivas, nem todas, vestiam um casaco de casimira ou saragoça preta, cujo comprimento não chegava bem à cinta. Aplicava-se-lhe também como guarnição uma tira de veludilho à volta e outra na ponta das mangas.
O "mandil" também preto, ou era de cetim com barra de veludo, ou de veludo com barra de cetim.
Na cabeça levavam as noivas um lenço de seda que, segundo a opinião da nossa informadora, era lindo: dourado, florido com franjas a toda a volta . Atavam as duas pontas sob o queixo.
Usavam ainda um xaile de casimira preta com barras às cores de larga franja tecida. O xaile era simplesmente posto sobre os ombros, sem ser traçado.
A saia, que usavam por baixo, era de linho e enfeitada com rendas e entremeios de crochet.
Ao pescoço, as noivas traziam um cordão de ouro com 3 ou 4 voltas, oferecido pelo noivo. Uma das voltas deste cordão passava por vezes debaixo do braço.
No dia da boda as noivas usavam sapatos.
(...)
Segundo informações que nos foram prestadas, o primeiro casamento que se realizou na "Vila" com noiva à moda da cidade, isto é, sem ser à moda da terra, data de há 12 anos atrás. Depois deste, o hábito pegou de forma radical e hoje já ninguém leva o trajo tradicional.
Sobre a quebra de tal costume, uma jovem na casa dos 19 anos, ainda solteira, deplorava que o tradicional trajo de noiva tivesse sido preterido por outro tão incaracterístico e a todos os títulos mernos belo. Acalentava o sonho de ir vestida, se o namorado a isso não se opusesse, como as noivas antigas da sua terra, porque, segundo a sua opinião, a modernização não devia destruir o que de belo havia na vida da sua gente. Era uma moça inteligente, que tinha noções concretas e muito bem concertadas sobre o valor da cultura tradicional e do que havia de secundário e essencial nela.»

Alice Geraldes: CASTRO LABOREIRO E SOAJO - Habitação, vestuário e trabalho da mulher; Edição do Serviço Nacional de Parque, Reservas e Património Paisagístico, Lisboa 1979

A Professora Alice Duarte Geraldes, que foi durante muitos anos docente da Universidade do Minho na área da Sociologia e da Antropologia é uma das cientistas sociais portuguesas que mais estudou a sociedade castreja nos seus vários aspectos: - Sociológicos, antropológicos etc... O seu trabalho desenvolvido em Castro Laboreiro em finais da década de 70 do século passado é por isso uma referência incontornável para quem pretenda ter uma visão minimamente consistente da sociedade castreja não só dessa década mas também das décadas anteriores.

Lembro-me de ter tido o prazer de a conhecer pessoalmente, era eu um miúdo de cerca de 12 ou 13 anos. Recordo-me de uma pessoa extremamente calma, simpática e afável, sentada num escano da nossa casa velha a ouvir as velhas estórias da minha avó enquanto a ajudava com o fuso e com a roca, desfazendo-lhe os nós da lã a ser fiada. A Professora Alice era e ainda é uma a pessoa muito querida para todos os castrejos que se lembram dela.

O texto que acima publico foi retirada de uma das suas obras fundamentais sobre Castro Laboreiro, publicada em 1979 "CASTRO LABOREIRO E SOAJO - Habitação, Vestuário e Trabalho da Mulher". Este texto para além de ser a único documento que conheço onde consta uma descrição do velho trajo das noivas Castrejas, tem também a particularidade de conter a preciosa informação sobre a época em que tal trajo foi substituído pelo "trajo da cidade", ou seja pelos modernos vestidos de noiva. Sobre isto refere a Professora Alice que segundo informações que lhe foram prestadas tal transformação se terá dado "há 12 anos atrás" ou seja por volta de 1967.

13/06/08

Pessoa a 120 anos por hora


«Como podia eu tornar-me superior à força do dinheiro?
O processo mais simples era afastar-me da esfera da sua influência, isto é, da civilização; ir para um campo comer raízes e beber água das nascentes; andar nu e viver como um animal. Mas isto, mesmo que não houvesse dificuldade em fazê-lo, não era combater uma ficção social; não era mesmo combater: era fugir. Realmente, quem se esquiva a travar um combate não é derrotado nele. Mas moralmente é derrotado, porque não se bateu.
O processo tinha que ser outro - um processo de combate e não de fuga. Como subjugar o dinheiro combatendo-o? Como furtar-me à sua influência e tirania, não evitando o seu encontro?
O processo era só um - adquiri-lo, adquiri-lo em quantidade bastante para lhe não sentir a influência; e em quanto mais quantidade o adquirisse, tanto mais livre eu estaria dessa influência.
Foi quando vi isto claramente, com toda a força da minha convicção de anarquista, e toda a minha lógica de homem lúcido, que entrei na fase actual - a comercial e bancária, meu amigo - do meu anarquismo».
O meu "Pessoa" de estimação foi desde sempre, e há-de continuar a ser, o "desassossegado" Bernardo Soares, mas, verdade seja dita: - O "Banqueiro Anarquista" nunca abandonou a minha mesinha de cabeceira desde que nos conhecemos! E isto já lá vai há um valente par de anos!
A velha nota de cem escudos é a suprema ironia!?

12/06/08

As Mulheres de Castro Laboreiro


«No tempo em que os portugueses disputavam com os castelhanos as terras do Alto-Minho, um exército lusitano, composto por quinze mil homens, batalha os galegos nas margens do Minho. De tal forma era bem sucedido o seu empenho, que chegam a provar o delicioso sabor da vitória. Ébrios deste prazer, julgam-se senhores do mundo. Com entusiasmo desmesurado, aventuram-se por terras da Galiza, alucinados de bravura, dispostos a bater o inimigo em sua própria casa. Mas tal esforço não lhes corre de feição, já que, depois de curtíssimas vitórias, os lusos são obrigados a retroceder, ante o vigor do adversário, espicaçado pela vaidade nacional ferida, e supridos de tropas frescas.
Vindo os galegos no encalço, os portugueses, desorientados, recuam lá para os lados de Castro Laboreiro. Acossados pelo enfurecido inimigo, pronto a corrigir a desfeita sofrida, as tropas portuguesas não encontram forma de o enfrentar, temendo-se uma ultrajante derrota e o risco de perda da soberania dos próprios territórios!
É então que as mulheres daquele lugar, ao verem os seus desnorteados, e perante a afronta desmesurada dos galegos, corajosas e determinadas, resolvem intervir. E se os homens fogem desorganizados e abandonando as armas, elas, depois de se armarem como os guerreiros, cerram fileiras e avançam sem medo, prontas a salvar o país da ignomínia de uma humilhante derrota.
Perante tal atitude e coragem ficam extasiados e confusos, por sua parte, os castelhanos. É então que os homens lusitanos, provocados pelo exemplo de suas mulheres, resolvem voltar para a luta, envergonhados das suas momentâneas pusilanimidade e defecção. Recuperada a energia e a fé indispensáveis, organizam-se e batem os espanhóis, ainda perplexos pela coragem e força das mulheres de Castro Laboreiro. Esta batalha ficou conhecida por “Empresa das Mulheres”.»
Esta é mais uma das narrativas lendárias publicadas pelo Professor António Campêlo na obra que anteriormente referi. Sobre ela diz-nos o ilustre Professor que: «Esta lenda foi recolhida em Melgaço e encontra-se também referenciada nas monografias locais. Em Castro Laboreiro existe uma tradição oral de que uma mulher, em luta com os castelhanos, de um só golpe degolou sete espanhóis! Perante o poderio do inimigo, é sempre a mulher, na aparente fraqueza do seu género, a ditar o rumo da contenda! A lenda chama a esta batalha “Empresa das Mulheres”. Veja-se que a lenda da Inês Negra fica conhecida nas crónicas com a designação de “Escaramuça entre duas mulheres bravas».

04/06/08

A "belhota"

Eu já tinha ouvido falar dela! Já outros pescadores me tinham dito que a “belhota” vivia há anos nos “Poços” abaixo das “Andorinhas”! Inclusive, já uma vez ou outra eu próprio tinha divisado a sua silhueta pesada e escura a esquivar-se logo que a minha sombra tangia as águas límpidas do rio.
Naquele fim de tarde, lá vinha eu, estourado e com as pernas escavacadas por um dia de pesca que começara manhã cedo no “Salto do Gato”, e ainda por cima desanimado e encharcado pelos resultados: - Uma magra meia dúzia de exemplares de medida que me tinham custado 3 amostras e dois tombos a todo o comprido nas águas frias do Laboreiro. No entanto, quando me aproximei do “Poço” onde residia a “belhota”, uma centelha de ânimo circumnavegou o meu pobre e cansado espírito! Aquele tipo de centelha de ânimo que só os verdadeiros pescadores de trutas conseguem sentir e discernir! Aquela vontade imperscrutável de lutar, de vencer e de colher o ser mais magnificamente instintivo que habita as águas generosas e fecundas do nosso rio.
Lá me aproximei, contra a corrente conforme mandam os cânones, o mais silenciosa e pacientemente que pude e, de forma pausada e comedida, consegui colocar-me numa zona escondida pela sombra de um esplendoroso salgueiral, o que me permitiu observar tranquilamente o rio. Naquele ponto, a água, revolta e voluntariosa, impulsionada pelos vários “cachons” a montante, corria velozmente pelo centro do “Poço” estreito e “acanhonado”, mas nas margens existiam pequenas áreas remansosas onde por certo àquela hora se encontrariam, fartas e gordas, as “pintalgadas” após um aprazível dia a degustar as iguarias trazidas pelas águas.
O primeiro lançamento descreveu uma parábola perfeita e a pequena amostra, uma clássica “Celta n.º 1” esverdeada, caiu cerca de 20 a 25 metros de distância, sob a margem esquerda, logo abaixo do movimentado “cachon” que encimava o “Poço”. Com três ou quatro voltas do carreto consegui trazê-la para a zona remansosa e aí imprimi um movimento lento e constante ao carreto, para que a amostra pudesse desenvolver as suas rotações com a maior estabilidade possível.
De repente, quando a amostra saída do “remanso” atravessava a correnteza do centro do “Poço”, um violento esticão denunciou que uma truta a tinha abocanhado e por isso, acto contínuo, levantei de sacão a ponteira da cana enquanto com um golpe do carreto tentei dar duas ou três rápidas e consistentes voltas por forma a ferrar a “pintona”. Tentei! Porque a resistência que encontrei foi de tal ordem que rapidamente desisti, temente da integridade do fio (uns 100 metros de “Mitchell” n.º 20), bem como do restante equipamento!
Um sobressalto percorreu as minhas fibras mais recônditas! Seria que por qualquer manhoso acaso do destino eu tinha fisgado a velha truta!? Respirei fundo! Toda a gente sabe que um sistema nervoso alterado é o pior inimigo do pescador de trutas. Lembrei-me que em casos como este a solução é abrir a asa do carreto, de forma a, controladamente, “dar fio” à truta com o objectivo de a cansar!
Assim fiz, e a truta, qual torpedo, desembestou para montante na direcção da margem esquerda dando com isso início a uma luta titânica pela sua preciosa vida. Eu lá me fui segurando, ora largando fio, ora puxando fio, enquanto o pobre bicho tentava esquadrinhar o “Poço” em busca de salvação. A luta durou cerca de dois minutos, dois minutos e meio, uma vez que a partir de determinada altura a truta deixou de oferecer resistência e assim, pouco a pouco consegui trazê-la na minha direcção com o intuito de a apanhar, uma vez que tira-la de “sacão” estava fora de questão dado que, muito provavelmente, a ponteira da cana não iria resistir.
Debrucei-me, então, e pude constatar que se tratava de um exemplar magnífico que deveria rondar os 45 cm de comprimento, e que tinha a amostra cravada unicamente na mandíbula inferior, o que aliás se revelou fatal para a minha pretensão, pois que a truta, até aí aparentemente apática, logo que lhe descravei a amostra deu um magnífico impulso, torceu-se no ar e mergulhou no poço, livre e pujante de vida. O mais curioso e rísivel é que ao desenvolver, com sucesso, estes movimentos inesperados, a bicha, enquanto eu esbracejava a tentar segura-la, “sorregou-me” uma valente chapada na cara com a barbatana traseira que, apesar de não me ter magoado o corpo, me magoou profundamente o espírito! E, assim, lá fiquei eu aturdido, de mãos a abanar e com uma estranha sensação de vazio que me custou muito a digerir enquanto subia, estafado e desanimado, pelo caminho dos moinhos em direcção à “Ponte Belha” e à "Bila".
Hoje, a duas décadas de distância e muitas trutas depois, ainda me lembro bem da “belhota” que naquele dia foi suficientemente esperta e valente para me escapar, mas, conforme seria de esperar, já não sinto qualquer tipo de sensação de vazio ou decepção, pelo contrário, sinto um imenso e estranho carinho por aquela bela truta, que não sei se chegou a ser pescada por alguém (espero que não!). Um carinho que abarca, para além das trutas do nosso rio, todos os seres silvestres que habitam a nossa maravilhosa terra.