Era sexta-feira à tarde e, à sombra da velha muralha, a feira de Melgaço fervilhava de actividade. Eu lá andava, de tenda em tenda, a esvoaçar por entre as pernas dos fregueses. Passei sem olhar pela tenda dos sapatos, e mesmo antes de chegar à tenda dos “pitinhos” e dos coelhos, encontrei aquilo que procurava: - A tenda dos brinquedos!
Os meus olhos, deslumbrados, esbugalharam-se! Estavam lá todos aqueles que interessavam. Os camiões, os carrinhos, as espingardinhas de bareta e, sobretudo, aquele que me trazia cobiçoso desde que o tinha visto nas mãos enlameadas do meu vizinho, com que brincava às tardes, depois da escola: - Um tratorzinho com carroça e tudo.
Fitei-o sem saber se lhe havia ou não de tocar! Olhei para o dono da tenda e este lançou-me um despreocupado e convidativo olhar azul. Não resisti! Sentei-me no chão, peguei-o e comecei a roda-lo por uma vereda imaginária, tendo o máximo cuidado para fazer bem as curvas, de modo a que a carroça, carregada de lenha, não se virasse.
- “Larga isso filho”. Troou a voz da minha mãe, rasgando a nuvem translúcida da minha fantasia.
- “Mas Mãe é igualzinho àquele que eu queria”. Disseram os meus olhos subitamente húmidos.
- “Non pode ser! É mui caro!” Disse implacavelmente a minha mãe em tom de fim de conversa.
-“Dá-lho mulher, dá-lho! Ca mais bale um gosto na bida do ca cem bombos na hora da morte”. Disse a voz meiga e cansada da minha avó.
O tratorzinho já há muito tempo que não existe, perdi-o nalguma recôndita vereda da vida, mas há-de sempre existir o sorriso doce e maternal da minha falecida avó, enquanto os meus beijos felizes lhe orvalhavam o rosto agreste.
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1 comentário:
Bonita história :-)
a minha visavó, da qual tenho algumas recordçãoes também costumava dizer que "mais vale um gosto na vida que cem merreis(não sei se é assim que se escreve) na carteira"
Beijinho****
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