31/05/08

Melancolia nórdica

Sigur Ros - Samskeity

Ando assim um tanto ou quanto melancólico! Só podem ser saudades de Castro Laboreiro!

23/05/08

O beijo da mulher serpente (continuação)


" (...) Em tempos mais recentes, um jovem, ao saber, por um pastor, da existência da serpente, logo se lembrou da sua terrível história de amor. A mãe da sua namorada contrariava muito seriamente o namoro e afeição que a filha mantinha com ele, facto que os obrigava a encon­trarem-se às escondidas por entre as penedias. Não tardou muito que a mãe desse com o esconderijo dos namorados e, desesperada com a desobediência da filha, lhe lançasse esta maldição:
- «Que de futuro andes de rastos como as cobras no alto do Quinjo».
Passados dias, desapareceu a rapariga sem deixar rasto!
Associando os factos, não restaram dúvidas ao rapaz de que se tratava da namorada que cumpria o fado a que fora condenada pela mãe. A confirmá-lo, lá estava a flor que ele lhe oferecera e que ela, numa atitude garrida, trazia entre os dentes no momento em que recebera a maldição.
Desesperado pela triste sorte da jovem e também pela sua infe­licidade, subiu ao monte e perguntou à serpente quais as possibilidades que havia de lhe quebrar o encanto. Respondeu-lhe esta que bastaria que ele, rapaz, tivesse a coragem de a beijar na boca. Mas, cautela, se à terceira tentativa o não conseguisse, redobraria o seu encanto e não mais podia trazê-la à vida e ao seu amor.
Voltou o rapaz mais tarde, acompanhado com gente amiga, para realizar o desencanto: porém, na altura em que se aproximou da serpente, esta lançou tais silvos e contorceu-se de tal maneira que pôs em fuga todos os que presenciavam a cena. Não desistiu o namorado e, na segunda tentativa, fez-se acompanhar de um padre, para ajudar o ritual com as suas rezas, e, esquecido do que havia acontecido aos outros seus conterrâneos, de um ceguinho que, pelo facto de não ver, poderia substitui-lo no acto de beijar a serpente com menos repugnância. Repe­tiu-se a cena anterior e tanto o padre como o cego fugiram desaus­tinados.
Entendeu o rapaz que teria que ser ele sozinho, e sem a ajuda ou apoio de ninguém, mas amparado pelo amor que nutria pela jovem, a cumprir o feito. Enchendo-se de coragem, aproximou-se da serpente e, sem dificuldade de maior, deu-lhe o beijo, recebendo em troca nos seus braços a namorada. Regressaram felizes a Ribeiro de Baixo, seu lugar de nascimento, e casaram mais tarde na vila”.
Sobre esta lenda e outras congêneres como as das "Mouras" encantadas diz-nos António Câmpelo na obra indicada no "post" anterior: - "A moura-serpente transporta-nos para o encantamento original, que tem a ver com o fado a que está condenada a serpe, ela mesma um espírito das águas subterrâneas. Água e cabelos deambulam sem forma, ao sabor de intenções que lhes são estranhas. Ao solicitar o beijo para a libertar do encanto, a moura apela para o beijo como sopro de vida, e não o beijo amoroso. Este beijo, e a componente oral que lhes está associada, orientam a origem do mundo para um silêncio que se esconde durante um tempo determinado e que, cumprido, se manifesta na vida e no usufruto de todas as riquezas. Não respeitar esse silêncio – segredo – solicitado pela moura, ou introduzir palavras que estão proibidas no ritual de desencantamento, é falhar no resgate da moura amada ou do tesouro desejado".
Tal como também nos diz o Professor Campêlo, Alice Geraldes na sua obra : “ Castro Laboreiro: a mulher na vida e na lenda”, 1978, Mínia, Braga, 2ª Série, 1 (2), pp. 42-64. , também faz menção a esta lenda, traçando uma longa interpretação da mesma, tendo como elemento de análise o género feminino e a transformação dos seus papeis na sociedade de Castro Laboreiro. Segundo esta autora, uma lenda reflectirá a mentalidade mais conservadora e antiga da população, enquanto a versão moderna, a do jovem par de namorados, mostra um novo tipo de enamoramento que supera as diferenças sociais quanto à riqueza.
Ilustração. HR GIGER

15/05/08

O beijo da mulher serpente


“Vivia na montanha do Quinjo, em Castro Laboreiro, uma princesa que tinha sido encantada sob a forma de uma serpente, e que trazia uma flor presa na boca.
Era esta princesa fabulosamente rica e estava disposta a dividir a sua riqueza com quem a desencantasse. Como ia de 100 em 100 anos à feira de Entrimo, em Espanha, altura em que recuperava a sua forma humana, lá contou como deveria proceder a pessoa que estivesse dis­posta a desencantá-la: ir ao Quinjo e dar um beijo à flor que ela, já na forma de cobra, trazia na boca.

Se os séculos foram passando sem que aparecesse alguém sufi­cientemente corajoso para realizar tal façanha, nem por isso se pode dizer que o tempo tenha apagado nos homens a crença no tesouro escon­dido ou tenha esmorecido a fé na sua recuperação, mesmo que para tal se tivesse de cumprir o ritual prescrito pela lenda. A cobiça era senti­mento mais forte que a repugnância e o medo, sem contar ainda que a astúcia humana é de tal forma atrevida e pretensiosa que só por si consegue dar, a quem dela resolva largar mão, uma coragem inicial que na maioria dos casos, se não é condição de sucesso é pelo menos de chegada à última etapa possível.

Foi assim que um dia, levados pela cobiça e apoiados na astúcia, um grupo de homens, tentaram desencantar a princesa. Se o pensaram, logo programaram a aventura, animados pelo facto de um deles conhecer os segredos do livro de S. Cipriano, que ajudaria a tomar o tesouro escondido e defendido pela serpente.

Havia, contudo, uma dificuldade que a todos transtornava e que não viam meio de a superar. Como ganhar coragem para beijar a serpente?
Lembraram-se então os nossos heróis de um cego que havia no lugar e que, pelo facto de não ver, não sentiria repugnância em praticar o acto. Bastante instado, mas sem saber bem ao que ia, o pobre lá anuiu em juntar-se-lhes.
Reunido o grupo no local certo, no dia e hora com­binados, resolveu o animador da proeza, na intenção talvez de melhor avivar os pormenores da façanha, puxar do livro e ler a lenda aos com­panheiros no próprio cenário onde se iria desenrolar o drama. A um dado passo da leitura, porém, fez-se ouvir um barulho medonho que, repercutindo-se pelas fragas adiante, parecia querer fendê-las para delas fazer sair a figura de um monstro.

Nem se interrogaram a respeito do estranho fenómeno: gasta a última reserva de coragem, hei-los numa corrida doida, galgando e des­cendo penedos. na ânsia de alcançar a segurança do lugar onde habitavam que, estra­nho ao facto, recuperava no sono a energia gasta num dia de luta árdua.

Sozinho no alto do Ouinjo, ficou o cego, desprotegido de tudo e de todos, e completamente amedrontado. Valeu-lhe o bordão, seu único apoio e guia, para descobrir forma do chegar a chão seguro e sosse­gado. E chegou, passados uns dias a Pereira, uma pequena povoação espanhola, que lhe deu guarida.

Depois de conhecida a aventura no lugar, nunca mais ninguém daqueles lugares pensou em repetir a proeza.
Continua....."
No início da presente década, Álvaro Campêlo, minhoto nascido em Poiares, Ponte de Lima, Doutorado em Antropologia das Religiões pela Sorbonne e professor de Antropologia Social e Antropologia do Desenvolvimento na Universidade Fernando Pessoa, no Porto, desenvolveu, enquanto Director do Centro de Estudos de Antropologia Aplicada da Universidade Fernando Pessoa, uma investigação que teve por objecto a recolha de tradições orais do vale do Minho, no campo do fantástico.
Os resultados desta investigação foram publicados na obra “Lendas do Vale do Minho” do mesmo autor, editada em 2002 pela Associação dos Municípios do Vale do Minho. Posteriormente, Álvaro Campêlo publicou ainda no “Boletim Cultural” da Câmara Municipal de Melgaço um estudo chamado “O Discurso do Fantástico no concelho de Melgaço”, onde o ilustre Académico, desenvolve, aprofunda e completa os dados recolhidos no concelho de Melgaço.

Neste estudo encontra-se publicada esta “lenda” ou “conto” recolhida pelo autor em Castro Laboreiro. Dada a sua extensão optei por publicar unicamente a primeira parte, a segunda seguirá em próximo capítulo.
Uma última nota para informar aos que não sabem, que o "Quinjo", ou "Quinxo" é uma imponente montanha sobranceira ao lugar do Ribeiro de Baixo, situada em território Galego na margem esquerda do Rio Laboreiro.
Ilustração: HR GIGER

10/05/08

As Sete Mulheres do Minho

«As sete mulheres do Minho

mulheres de grande valor.

Armadas de fuso e roca

correram com o regedor.

Essa mulher lá do Minho

que da foice fez espada,

há-de ter na lusa história

uma página doirada.

Viva a Maria da Fonte

com as pistolas na mão

para matar os Cabrais

que são falsos à Nação.»

Esta é uma velha cançoneta da música tradicional portuguesa (dos tempos da revolta da "Maria da Fonte" e da "Patuleia" em meados do século XIX) recomposta e musicada pelo Zeca Afonso e aqui interpretada por estas quatro magníficas moças galegas que formam o grupo:" Faltriqueira".

A exuberância e a contagiante alegria da interpretação facilmente nos permitem reconhecer a velha e autêntica paixão que os músicos tradicionalistas galegos sempre dedicaram ao Zeca Afonso e à sua obra!

02/05/08

O Judeu que viveu em Castro Laboreiro


Luís Henriques Julião, filho de Julião Henriques e de Branca Rodrigues, casado com Filipa Dias era natural de Vila Flor e exercia a profissão de mercador em Castro Laboreiro.
A vida até lhe não corria mal de todo, contudo sobre a cabeça incauta do nosso amigo Julião pairava um pesado estigma: - O coitado era “Cristão-Novo” e, assim, num belo dia de (14) Maio de 1656, foi preso à ordem do Tribunal do Santo Ofício (Inquisição) de Coimbra e acusado da prática do crime de Judaísmo.
A partir daí a vida não foi nada fácil para o nosso Luís Julião, pois “gramou” 4 anos de prisão e, com certeza, algumas saudáveis e revigorantes sessões de tortura, até ser proferida a sentença do seu caso; o que só veio a acontecer em 23/05/1660, sendo que nesse mesmo dia foi realizado o costumeiro Auto de Fé.
Nesse Auto de Fé, o Luís Julião deve ter abjurado a “Fé de Moisés”, sendo que provavelmente e tal como era hábito neste casos, lhe foram impostas determinadas obrigações, tais como:
- Usar hábito penitencial.
- Ir á missa aos domingos e nos dias santos;
- Confessar-se nas 4 festas do ano: - Natal, Páscoa, Espírito Santo e Assunção de Nossa Senhora e comungar se o confessor assim o entendesse;
- Jejuar todos os sábados e rezar o rosário de Nossa Senhora;
-Apartar-se da “gente da nação” e cumprir tudo o que prometeu na abjuração.
Bom! O certo é que o nosso Luís Julião, apesar de tudo acabou por se safar senão com a saúde toda, pelo menos com alguma, visto que nesse mesmo dia 23/05/1660, foi lavrado o, designado, “Termo de Soltura e Segredo”, por via do qual o condenado foi devolvido à liberdade, com a condição de manter o segredo sobre tudo quanto tinha visto ou ouvido no decurso do processo. Esta última condição era de capital importância dada a política de sigilo processual que caracterizava os Tribunais do Santo Ofício, tanto que, no momento em que assinou o tal “Termo”, o bom do Luís Henriques Julião, sabia que se alguma vez lhe desse para abrir o bico, voltava, com toda a certeza, a malhar com os costados nos calabouços da Inquisição.

Desconhece-se se este pobre coitado alguma vez voltou a Castro Laboreiro!
Bibliografia: - A "Inquisição Portuguesa: Tempo, Razão e Circunstância". Autores diversos, coordenação de Luís Filipe Barreto, José Augusto Mourão, Paulo de Assunção, Ana Cristina da Costa Gomes, José Eduardo Franco, Ed. Prefácio, Lisboa - São Paulo, Janeiro de 2007